O caminho que o alimento percorre para chegar até a sua mesa 3o2v66
O sistema de transporte de alimentos no Brasil é realizado predominantemente por meio de caminhões que, dependendo do alimento, pode percorrer grandes distâncias. 506r1t
José Cícero Pereira dos Anjos não vai para casa hoje. O caminhoneiro, com 28 anos de profissão, precisa percorrer 3 mil km para fazer a entrega de uma carga de feijão saindo de Mato Grosso até a região Nordeste do país. Ele deixará a família em casa, em Tangará da Serra (MT), para ar dias na estrada, sem pausas nos fins de semana ou qualquer feriado, tudo para garantir que não falte comida na mesa de um brasileiro.

(Foto: Acervo 9º BEC)
A viagem pode levar mais de 10 dias, considerando 8 horas diárias de trabalho (podendo estender até 2h extras) e as pausas para alimentação (1h), descanso (8h), banho e afins (2h), o que varia de acordo com a carga, conforme as normas estabelecidas pela Lei do Caminhoneiro 13.103/2015, atualizada em 2023 pelo Supremo Tribunal Federal.
No caso de Francisco Dias, 51 anos, morador de Cuiabá com 19 anos de estrada, e que faz o transporte de bovinos, o tempo de transporte precisa ser menor.
“Para fazer a entrega, a gente chega a percorrer de 600 a 800 km por dia. E como a minha carga é viva [bovinos], há um certo horário para a gente percorrer com eles e para descarregar. Então, sempre a gente carrega num dia para descarregar no outro e tem um horário de descanso à noite”, explica.
Impacto do transporte nos valores dos alimentos 2a1x2q
O sistema de transporte de alimentos no Brasil é realizado predominantemente por meio de caminhões que, dependendo do tipo de carga, pode percorrer grandes distâncias.
Segundo a AMAD (Associação Mato-grossense de Atacadistas e Distribuidores), atualmente, 90% do arroz comercializado em Mato Grosso é abastecido pelo mercado local. Até mesmo as grandes arroizeiras contam com fábricas no estado. Os outros 10% representam as próprias arroizeiras locais.

Com o feijão ocorre a mesma situação. Cerca de 90% do grão vendido em Mato Grosso, é empacotado no estado. Mato Grosso é um grande produtor da leguminosa, sendo em 2023 o 3º maior (307,1 mil toneladas), conforme o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), ficando atrás apenas do Paraná (728 mil toneladas) e Minas Gerais (533,1 mil toneladas).
Já a carne, ainda conforme a associação mato-grossense atacadista, praticamente 100% vem de dentro do estado.
Apesar de grande parte dos alimentos dos supermercados virem de dentro do estado, em Mato Grosso que possui uma malha viária tão extensa, os caminhões se fazem ainda mais necessários.

“O custo maior que o setor atacadista tem é o transporte de entrega devido às longas distâncias do estado. É altíssimo. A mercadoria quando vem, principalmente de outros estados, também tem uma relevância muito grande no custo do frete. Então, Mato Grosso por ter uma malha viária tão grande de extensões geográficas, o custo da logística de transporte, tanto como o frete de compra e também o frete de entrega, é muito alto, por ser muito importante e relevante”, explica a associação.
Além dos já citados, outros alimentos que fazem parte do nosso dia a dia e não são produzidos em grande volume na região, precisam ser comprados de outros locais atravessando grandes distâncias até chegar ao mercado consumidor, com isso aumentando os custos para o consumidor.
Por exemplo, frutas, verduras e legumes, necessitam de transporte refrigerado, e por este motivo, devem ser realizados de forma rápida e eficiente para evitar perdas no meio do caminho e garantir que cheguem em perfeito estado para a venda e consumo.
Toda essa logística impacta diretamente no preço dos produtos nas prateleiras, como explica a mestre em Engenharia de Produção e professora do curso de Engenharia de Transportes, da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), Cinthia Serenotti Brigante.

“O transporte rodoviário aumenta os custos dos alimentos, pois nossas rodovias não possuem as melhores condições de conservação, apresentam também um volume muito grande de caminhões com cargas pesadas, o que aumenta o tempo de viagem, os custos de manutenção e custos com alimentação e descanso dos motoristas. Tudo isso acaba sendo acrescentado no preço do produto ao consumidor”.
Qualidade das rodovias 6e5y4c
Caminhoneiro há 17 anos, Yeseharu Sacamoto Neto, de 37 anos, é morador de Tangará da Serra e compartilha como é o desafio diário nas rodovias brasileiras.

“A gente vive no caminhão. Não vai em casa e trabalha bastante porque devido às má condições das rodovia, não tem lugar para estacionar, não tem lugar para pernoitar dependendo do horário. Dependendo do posto que você encosta, não pode pernoitar se não abastecer. Tem lugar que se você quer tomar um banho, mesmo você pagando, eles não vendem o banho, você é obrigado a abastecer no mínimo 300 litros de diesel para pernoitar e tomar um banho”, disse.
Além da dificuldade para encontrar lugares para descanso, outras questões apontadas pelos quatro motoristas ouvidos pela reportagem, são as condições do asfalto, falta de acostamento e de segurança das rodovias, que impactam no valor do frete e na manutenção dos caminhões.
“As maiores dificuldades são a falta de segurança nas estradas, falta lugares seguros para descer e pernoitar”, afirma José Cícero.
“São estradas ruins, pouca segurança e risco de roubo”, complementa o caminhoneiro Flavio Roberto Flores, de 42 anos de idade e 19 anos de profissão, também morador de Tangará da Serra.
De acordo com o Movimento Pró-Logística de Mato Grosso, as rodovias brasileiras mais utilizadas para expedir os produtos do mercado interno são a BR-163, que dá o ao sul do país; e a BR-364 que dá o a estrada de Goiás; BR-070 que dá o ao Nordeste.
O grupo é composto pela APROSOJA (Associação dos Produtores de Soja e Milho), AMPA (Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão), ACRIMAT (Associação dos Criadores de Mato Grosso), OCB/MT (Organização das Cooperativas Brasileiras em Mato Grosso), FAMATO (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso), FIEMT (Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso), pelo FECOMÉRCIO/MT (Sistema Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Mato Grosso), pela AMM (Associação Mato-grossense dos Municípios) e pelo Instituto Ação Verde.
Em nota, a Nova Rota do Oeste, responsável pela BR-163/364 e BR-070 (Rodovia dos Imigrantes) em Mato Grosso, informou que atua em quatro obras.

Entre elas:
- Duplicação de Diamantino a Nova Mutum (BR- 163);
- Duplicação de Nova Mutum a Lucas do Rio Verde (BR-163);
- Readequação viária, duplicação e recuperação da travessia urbana de Sinop (BR-163);
- Duplicação da Rodovia dos Imigrantes, primeiro lote em Cuiabá (BR-070).
Quanto aos acostamentos, onde não existem, a Nova Rota do Oeste explica que estão sendo construídos.
A empresa afirma que atua em quatro obras. Além das frentes de duplicação, no último ano a Concessionária atuou na recuperação da rodovia de Cuiabá a Sinop e na recuperação emergencial da BR-364, entre Cuiabá e Rondonópolis, trecho que estava sob a responsabilidade do DNIT; e entregou três novas bases de atendimento ao usuário da BR-163.
Sobre a segurança viária, a Nova Rota destaca que no primeiro semestre desse ano registrou queda de 18% no número de acidentes com vítimas em comparação ao mesmo período do ano ado. Por fim, a Concessionária explica que as paradas para caminhoneiros não fazem parte do contrato de concessão.
A concessionária orienta a todos os condutores que sigam as recomendações de segurança, zelem pela manutenção preventiva dos veículos, respeitem as sinalizações. Atualmente, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, mais de 90% dos acidentes rodoviários têm origem na imprudência dos condutores.

Quem trafega pelas rodovias têm direito a resgate médico e mecânico. Para isso, basta entrar em contato no telefone 0800 065 0163.
A empresa também realiza outros serviços como inspeção da rodovia 24 horas por dia, afugentamento de animais, recolhimento de objetos na pista, limpeza de canteiros e bordo da pista e de ações educativas em transportadoras, escolas e demais entidades.
Alternativas 6az1x
A mestre em Engenharia de Produção e professora do curso de Engenharia de Transportes, da UFMT, Cinthia Serenotti Brigante, aponta que uma das alternativas viáveis para reduzir o custo de transporte, seria incentivar a produção na região, o que minimizaria os custos de transporte.
Outra solução seria o investimento no transporte ferroviário que reduziria os custos do frete, diminuindo assim o custo final dos alimentos.
Atualmente, está em processo de construção a Ferrovia Estadual Senador Emílio Vuolo, gerenciada pela empresa Rumo, em Mato Grosso. O projeto, estimado em R$ 12 bilhões, corresponde a mais de 700 km de extensão de trilhos que vão ar por 16 municípios de Mato Grosso e conectar Rondonópolis a Lucas do Rio Verde e Cuiabá.

A malha ferroviária, com cerca de 14 mil km, tem ligação direta com os portos de Santos, Paranaguá, São Francisco do Sul e Rio Grande. No entanto, a Rumo atua apenas no transporte por carga graneleira, com isso, leva aos portos: grãos, combustível e farelos, retornando com fertilizantes.
“O grande entrave para a utilização da ferrovia é que, para valer a pena, deve-se ter um volume muito grande do alimento para encher, pelo menos, um vagão. Outro limitante é o fato de que as ferrovias existentes no Brasil, e as que estão sendo construídas, têm foco no transporte a granel, portanto, para reduzir os custos, a embalagem deveria ser realizada em Mato Grosso”, analisa a docente.

Mesmo que a ferrovia não seja utilizada no transporte de alimentos, pode indiretamente auxiliar na redução dos preços, uma vez que irá “desafogar” as rodovias e auxiliar também na conservação delas.
“Um grande volume de caminhões deixará de transitar, migrando suas cargas para a ferrovia. Se as rodovias tiverem menor movimento de caminhões pesados, as viagens se tornarão mais rápidas e seguras, além de melhorar o estado do pavimento. Com isso, alguns custos de manutenção e seguro tendem a diminuir, impactando positivamente na redução do transporte de alimento”, pontua Cinthia.