Capivara Criminal

O adeus ao capitão Mense: uma homenagem, um alerta

Partida de oficial da PM que era conhecido pelo sorriso aberto entristece não apenas o meio militar

“Falar do Leonardo é o maior prazer da minha vida. Eu falar o homem incrível que ele é, o amor que eu sinto por ele hoje, que é maior que ontem, que é maior que anteontem…”

“Eu entendo, e muitas coisas fazem sentido na minha cabeça hoje, que as pessoas morrem de suas doenças. O meu marido, ele morreu da doença dele.”

“E o que aconteceu não apaga nem um pouquinho só o homem extraordinário que ele é. Não apaga, não apaga.”

“Eu falo isso com meu coração em paz, porque o Leonardo é o cara mais incrível que já ou por essa terra. E é o mais incrível que está em outro plano hoje.”

Neste domingo (28 de abril), a coluna Capivara Criminal é atípica. O conteúdo a longe de bandidos e crimes. Esse escrito, diferente disso, é para ser um híbrido de homenagem e alerta.

A fala emocionante acima, em texto e no vídeo, é de Caroline Corrêa Mense, tenente PM de 30 anos, viúva desde a noite de 20 de abril de 2024, véspera do Dia de Tiradentes, o patrono das corporações militares.

Há uma semana, naquela noite de sábado, o marido de Carol, o capitão PM Leonardo Luís Mense Rodrigues, de 35 anos, precisou nos deixar. A sobrecarga da depressão tornou-se inável.

Carol e Leonardo Mense
O capitão Leonardo Mense e a tenente Carol no casamento (Foto: redes sociais)

Assim que a notícia ganhou os grupos de repórteres de Campo Grande, a tristeza foi manifestada em uníssono.

Nem sempre a relação policial-jornalista é agradável. Mas ali, no momento de incredulidade, digo convicta que a vontade coletiva era de abraçar, acalentar, as pessoas próximas ao capitão da PM.

A memória, então, buscou os últimos contatos no WhatsApp. Um foi respondido com uma figurinha bem humorada de uma senhora dançando, outro com um simples e efetivo “TMJ” (tamo junto) ao atender uma solicitação da jornalista.

Vieram na mente, de cara, as tantas imagens de família postadas por ele nas redes sociais. Correndo na rua com a esposa, brincando com o filho bebê, com os cães da família, fardado em atividades de trabalho. Sempre de sorriso aberto.

Capitão Mense sorrindo
Capitão Mense era conhecido pelo sorriso aberto (Foto: redes sociais)

Mense era o responsável pelo relacionamento com a imprensa no Batalhão de Choque da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, unidade sempre envolvida em ações de peso da corporação.

Era respeitado e querido, escrevo sem pestanejar.

Sua partida, da forma como foi, gerou comoção além do meio militar. E isso tem muito a ver com a pessoa que Leonardo Mense demonstrava ser, a despeito de suas lutas internas.

Amor à farda

“O Léo amava vestir aquela farda, amava, amava, amava. Só que é uma soma de coisas. Nem sempre, é só um foco, é só o trabalho. Foca-se muito na parte do militarismo por conta da rigidez, por conta da dificuldade em se expressar sentimentalmente, mas às vezes não é só aquilo ali.”

Tenente Caroline Mense

O quanto somos ignorantes

Ninguém antevê o ato extremo de ninguém, é óbvio. De alguns, nos chocamos mais ainda. É o caso, extravasando uma realidade para a qual nunca se está pronto.

Não sabemos quase nada do íntimo das pessoas. Não temos a menor condição de prever quem será o próximo a sucumbir diante de seus próprios fantasmas.

E quando alguém se vai, abre-se a gigante interrogação. O que podemos fazer diante dessa descomunal pequenez?

“Eu procurei terapia para lidar melhor com a situação quando ele estava mal, para lidar com o que fazer para não piorar aquela situação. Quem sabia no mais íntimo do Leonardo, o que pôde fazer, fez”, testemunha a esposa, sobre a forma como agiu.

“O Léo fez o que ele pôde fazer, dentro do que ele acreditava que seria bom, que curaria ele”, completa.

O casal de policiais Mense
O casal fardado (Foto: redes sociais)

Caroline Corrêa Mense manteve uma conversa por aplicativo de mensagem com a coluna, a partir de Coxim, sua cidade de origem, onde está junto com o filho de um ano e sete meses.

Vida compartilhada

“A gente não tem como prever o amanhã, sabe, mas a gente tem como viver o hoje. E todos os dias, todos os dias a gente se amou. Todos os dias. Sabe? Teve os dias de crise? Teve. Que foram os dias que ele tava mal? Teve. A gente conseguiu. A gente virou a página, a gente tocou o barco e a gente foi vivendo”, relembrou Carol.

“Hoje eu estou com saudade – como todos os outros dias desde que eu sei que ele não está aqui fisicamente comigo. Eu sinto falta, eu não queria estar aqui em Coxim nessa circunstância”, explicou.

O imponderável desfez expectativas consolidadas pela vida.

“Eu queria estar uma hora dessa, sete horas à noite, a gente já estava nós três no banheiro tomando banho, eu, ele e o nosso bebezinho, pra ele descer com ele, fazer ele dormir, depois colocar ele no berço e a gente comer mais alguma coisinha, conversar mais um pouco, ir pra cama e dormir. Era isso que eu queria estar vivendo agora. É essa dor que eu tô sentindo. É a dor de ausência, é a dor de falta”, sintetiza a tenente.

O casal estava junto havia três anos e quatro meses. Leo e Carol se conheceram dentro da Polícia Militar e oficializaram a união em janeiro do ano ado. Para quem os visse juntos, era uma imagem de felicidade: o casal, o bebê e ainda três cães.

“Minha maior conquista e presente foi Deus ter me colocado lá pra conhecer ele”, afirma Carol sobre a instituição.

Para ela, a PM de Mato Grosso do Sul está buscando caminhos para cuidar da saúde emocional da tropa, em meio à dificuldade histórica de convencer as pessoas a procurar tratamento e de aceitação das fraquezas inerentes ao ser humano.

“Eu percebo que a instituição vem tentando melhorar. Mas não adianta a instituição proporcionar ene coisas pra que possa o policial buscar ajuda. Precisa de uma contrapartida. A contrapartida é o policial buscar ajuda, né? Tem à disposição. Mas precisa ir lá.”

Tenente Caroline Mense

“A PM, ela disponibiliza meios, ela tem o FAF, que é o Fundo de Assistência Feminina, ela tem psicóloga, a polícia tem psiquiatra, sabe? Tem meios, tem meios, mas é o que eu disse, é uma via de mão dupla”, reforça a policial.

“Os integrantes da PMMS são assistidos pela Policlínica da PMMS e por psicólogos do Fundo de Assistência à Família Policial Militar de acordo com a necessidade clínica de cada paciente”, informou a corporação em nota à Capivara Criminal.

O FAF

O FAF foi criado em 1985, por esposas de integrantes da PMMS. Fornece assistência à saúde, assistência psicológica e social aos militares.

 

Olhar um para o outro

“Nós, pares, a gente precisa se olhar mais, isso é fato, mas a humanidade precisa se olhar mais, não só dentro de um quartel, todas as pessoas precisam se olhar mais”, observa a tenente Caroline Mense.

Na visão dela, “quem via o Léo no dia a dia, sem o íntimo dele, nunca que iria adivinhar que dentro dele tinha uma carga tão grande, tão grande, sabe">Quero deixar minha opinião!

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