Eram 20h08 do dia 12 de setembro de 2019 em Ponta Porã, cidade brasileira grudada à paraguaia Pedro Juan Caballero, região transformada em entroncamento do crime organizado internacional. Com um “opa”, Antônio da Mota, empresário local de alto poder financeiro e influente na sociedade, chama o filho, Antônio Joaquim Mendes Gonçalves da Mota, para conversar em aplicativo de mensagens no celular. Tinha uma novidade a contar.
Diálogo entre “Tonho da Mota” e o filho, “Motinha”, cita vítima de execução em 2019. (Foto: reprodução de peça processual)
“Acabarão de desmataria o Elesbom”, escreve “Tonho” ou “Tonha da Mota”, com erros possivelmente decorrentes do corretor do app.
“Da casa da embalagem”, acrescenta.
Do outro lado do Whatsapp, “Motinha” parece não dar atenção à informação.
Responde às 20h22, com uma pergunta sobre outro assunto. “O Wanderley não te chamou mais?”
Uma hora e meia antes, havia sido executado, dentro de casa, de joelhos, com tiros na nuca, Elesbão Lopes de Carvalho Filho, de 68 anos.
Três homens invadiram a casa dele para matá-lo, na frente da família.
Oficialmente, Elesbão era comerciante dono de uma casa de embalagens em Ponta Porã. Na vida subalterna, teria dinheiro grosso a receber do “Clã Motta”, conforme citação incluída na denúncia do MPF (Ministro Público Federal) contra pai e filho que travaram a breve conversa do início deste texto, bem no dia da execução.
Equipes policiais na frente da casa de Elesbão, no dia do assassinato, 12 de setembro de 2019. (Foto: reprodução da internet)
Condenação por lavagem de dinheiro 206m4p
No ado, nos anos 2000, Elesbão foi gerente do banco BCN na cidade, e envolveu-se em um escândalo de lavagem e evasão de altas quantias de dinheiro, de origem em negócios ilegais, entre eles o narcotráfico. Pegou uma pena de mais de uma centena de anos de reclusão, diminuídos drasticamente com recursos judiciais, até conseguir ficar em prisão domiciliar, por motivos de saúde.
O MPF usa a citação de “Motinha” como um possível mandante da morte de Elesbão para ilustrar o grau de periculosidade do acusado.
A afirmação traz à luz uma suspeita que, até agora, estava restrita aos ambientes sigilosos.
Quase quatro anos depois, a execução de Elesbão segue na categoria dos crimes de pistolagem da fronteira nunca elucidados. O inquérito foi aberto na Delegacia de Polícia Civil de Ponta Porã, nada andou, como identificou a Capivara Criminal, e há pouco tempo foi enviado para a DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio), em Campo Grande, sob a justificativa de suspeita de relação com o crime organizado.
O diálogo 144l3p
“No decorrer da conversa Antonio da Mota fala que acabaram de matar o Elesbão”, traduz o texto do MPF sobre a mensagem com erros de grafia. “A resposta de Mottinha é o silêncio e de plano já desconversa ou finge que não viu a mensagem”, complementa o MPF no documento.
“Essa parte é importante pois segundo o material compartilhado com o MPF a pedido do GAECO/MP/MS (Autos: 0013942-91.2020.8.12.0001 – 7ª Vara Criminal de Competência Especial), Motinha havia sido citado como possível mandante da morte de Elesbão”, informam os procuradores.
O texto avança sobre a origem da suspeita: “O motivo seria que Elesbão, por intermédio de Motinha, teria uma grande quantidade de dinheiro para receber e que dificilmente seria pago”.
Na sequência, a explicação sobre a captação do diálogo entre delegados:
“A conversa citada acima foi interceptada no bojo da Operação Omertà e o diálogo foi travado com Marcio Obara – delegado de Polícia Civil que trabalhou em Ponta Porã/MS – e Luccas D´Athayde, delegado da polícia federal que atuou em Ponta Porã/MS”, explicam as autoridades.
O que foi falado 2e5p1m
A Capivara Criminal descobriu o teor dessa conversa captada nas interceptações da operação Omertà, em que o delegado Marcio Obara foi acusado, e depois absolvido pela Justiça, por receber propina para obstruir investigações de assassinatos encomendados por duas milícias armadas em Campo Grande e Ponta Porã, chefiadas pelas famílias Name e Jamil Georges.
Conforme os detalhes obtidos pela coluna, Obara relata ao delegado da Polícia Federal ter ouvido em Ponta Porã, durante investigações de homicídios, a citação ao nome de “Motinha” como mandante da execução de Elesbão.
A razão seria a dívida a pagar. As fontes do delegado, conforme ele afirma ao colega da PF, atribuem a falta de dinheiro para quitar o débito à perda de cargas (possivelmente de drogas), uma no exterior, e outra subtraída por alguém subordinado a um sócio dos negócios ilegais da família Motta. Essa pessoa teria, inclusive, sido morta e o corpo queimado como punição.
Não há informação na denúncia do MPF sobre o que foi feito com essa informação descoberta, se foi reada as autoridades estaduais a cargo da tarefa de elucidar a morte de Elesbão, por exemplo.
Marcio Obara foi processado na Omertà por ligação com as máfias em Mato Grosso do Sul. Foi condenado por porte ilegal de arma, mas absolvido da acusação de receber dinheiro para encobrir crimes atribuídos às milícias armadas.
O processo por corrupção ainda não transitou em julgado.
Ele foi chefe da DEH em Campo Grande, onde ficaram casos de mortes atribuídos às quadrilhas investigadas pela operação Omertà.
O delegado Luccas, com quem Obara conversou no trecho citado pela denúncia do MPF aos Mota, trabalhou no setor de inteligência da PF em Ponta Porã e depois foi transferido para Brasília. Ele está entre as testemunhas de acusação contra pai e filho, no processo por organização criminosa, tráfico de drogas e porte ilegal de arma na Justiça Federal.
Não foram localizadas informações sobre qualquer suspeita em relação à conduta do delegado da PF.
A coluna procurou Márcio Obara, mas não localizou. Houve tentativa de contato com a defesa, sem êxito.
“Narcoclã” 5y3a5m
A ação contra “Clã Mota” decorre da operação “Helix”, nome em alusão ao fato de os acusados e seus comandados se utilizarem de helicópteros para transportar cargas de droga, conforme os trabalhos de investigação policial. O alcance dos clientes é internacional.
Mapa mostra fazenda dos Mota lado a lado de propriedade de Minotauro. (Foto: reprodução de peça processual)
Em 2017, na propriedade Agroganadera Aquidaban, localizada no interstício territorial entre Brasil e Paraguai, foram apreendidas mais de três toneladas de maconha, um arsenal e dois helicópteros, um deles meio desmontado. A propriedade é da família Mota.
Ao lado, fica uma fazenda que estaria na posse de Sergio Quintiliano Arruda, o “Minotauro”, apontado pelas autoridades como um sócio do “narcoclã” Mota, e nome forte da maior facção criminosa do país. Ele foi preso em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, em um imóvel de luxo, pouco mais de três anos atrás.
Apelido de mafioso 6di64
Antônio Joaquim Mendes Gonçalves da Mota, o “Motinha”, chega ao ponto de se autodenominar “Dom”, em referência ao personagem mafioso “Dom Corleone”, de “O Poderoso Chefão”, clássico do cinema.
É nesse nome que ele pede para serem feitos depósitos em uma conta sua em casa de câmbio, indica a apuração da Polícia Federal, base da acusação ao Judiciário. De maio para cá, “Dom” fugiu duas vezes de tentativas de captura pela Polícia Federal.
Seu nome foi enviado para a lista chamada Difusão Vermelha, da Interpol, na qual são incluídos os bandidos mais procurados.
“Tonho da Mota” e o filho “Motinha”. (Foto: redes sociais)
Em novembro de 2019, ele, o pai e a mãe, Cecy Mendes Gonçalves da Mota, foram presos em outra operação ruidosa, a Lava Jato. A acusação, no caso, era de envolvimento na fuga de Dario Messer, o homem intitulado como “doleiro dos doleiros”. O casal foi solto. Segue em liberdade, conforme a informação dos defensores à Capivara Criminal.
No último dia de maio, durante a operação “Magnus Dominus”, da qual escapou o megatraficante “Motinha” – forma superlativa que vem sendo usada para dar dimensão de seus poderio no comércio de drogas – foram presos homens encarregados da segurança da família, por meio de um grupo paramilitar treinado até em situações de guerra.
A palavra do “Clã Mota” 152i5q
Em busca do posicionamento da defesa dos envolvidos, a Capivara Criminal localizou os patronos de Antônio da Mota e Cecy, os pais de Motinha. Foi enviada à redação uma nota sobre a operação “Helix”, publicada na íntegra abaixo.
Em relação à citação sobre o crime de execução em Ponta Porã, os defensores informaram que não vão comentar, por não ter tido o a esse dado.
Não foi encontrada pela coluna o representante legal de Antônio Joaquim.
Leia a nota: 3s1f5f
“LUIZ RENÊ GONÇALVES DO AMARAL, advogado, neste ato em representação de ANTÔNIO JOAQUIM DA MOTA e de CECY MENDES GONÇALVES DA MOTA, vem informar à imprensa que até o presente momento não possui pleno o à investigação denominada Operação Helix, a qual, inclusive, tramita sob sigilo.
Nada obstante, a Família Mota está e sempre esteve à disposição das autoridades públicas tanto do Brasil quanto do Paraguai para prestar todo e qualquer esclarecimento que se fizer necessário para o restabelecimento de sua honra, infelizmente abalada pela deflagração de mais uma operação policial sem qualquer chance de esclarecimento prévio a respeito das infundadas suspeitas.
No que diz respeito à noticiada “fuga do doleiro Dario Messer”, registre-se que referida ação penal foi trancada com relação à Família Mota tanto pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região quanto pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo o Poder Judiciário brasileiro reconhecido a absoluta ausência de mínimos indícios do cometimento de crime.
Não comentarei fatos noticiados pela imprensa, apenas indícios e provas devidamente formalizadas às autoridades competentes, sendo absolutamente imoral qualquer imputação de crime ao patriarca da família, Joaquim da Mota, falecido há duas décadas.
Sublinhe-se que a Família Mota preserva raízes nas cidades de Ponta Porã/MS e de Pedro Juan Caballero/Paraguai há mais de 50 (cinquenta) anos, gozando de elevado prestígio e com incontáveis serviços prestados à sociedade fronteiriça, notadamente para o desenvolvimento da agropecuária na região, e sem qualquer envolvimento com atividades criminosas.
Jornalista há 11 anos, Geisy Garnes assume a Capivara Criminal e, junto com ela, o compromisso de trazer ao Primeira Página detalhes sobre histórias e personagens de crimes que mobilizaram a sociedade. A coluna tem base em apurações policiais e do Ministério Público, além de processos na Justiça, tudo sob o olhar de quem dedicou anos de profissão ao jornalismo policial.