Oito ou Oitenta 236p6f
O oficial de justiça leva mais uma intimação em seu desfavor. Dessa vez uma colega de trabalho, a quem ele teria dirigido palavras ofensivas, relacionadas ao seu peso e sua orientação religiosa. Bacelar recebeu o agente da Lei, com ironia, mas substituiu bruscamente o riso dos lábios por um olhar fumegante de raiva, agredindo-o com […] 4p6p1w
O oficial de justiça leva mais uma intimação em seu desfavor. Dessa vez uma colega de trabalho, a quem ele teria dirigido palavras ofensivas, relacionadas ao seu peso e sua orientação religiosa. Bacelar recebeu o agente da Lei, com ironia, mas substituiu bruscamente o riso dos lábios por um olhar fumegante de raiva, agredindo-o com palavras, rasgando o documento ainda em sua presença, dizendo-lhe que aquilo não representava nada para ele, tal o seu valor social e conhecimento de pessoas influentes da cidade.
Em seguida, ele entrou em casa e continuou a reunião com alguns amigos em sua área de lazer, localizada nos fundos. Ninguém viu, nem ouviu nada. Ali Bacelar gargalhava alto e ostentava os gastos que havia feito para comemorar seu aniversário. Um pouco antes já havia discutido com um dos amigos, que ousou discordar de seu posicionamento político. Os outros perceberam que ele não estava bem. E não era por causa de bebida, pois Bacelar não consumia etílicos.
Ana, sua esposa, dizia discretamente aos amigos que ele estava acometido de uma nova crise de mania. Ana sabia que ele não dava ouvidos a ela nem a ninguém mais, que ele não se percebia doente e não via seu comportamento como anormal. Era uma crise por ano e quase sempre terminava em internação hospitalar. No ano anterior foi necessário pedir ajuda ao Corpo de Bombeiros Militar para interná-lo involuntariamente. O pior é que depois de algumas semanas assim, ele cai em depressão, quando é dominado por uma profunda tristeza, sentimentos autodepreciativos e falta de prazer em tudo que antes lhe trazia satisfação.
Bacelar é portador de transtorno bipolar, uma doença que recebeu este nome porque nas crises geralmente há um logo período de mania, que é a fase eufórica, com alegria exagerada, que facilmente se transforma em hostilidade ou franca agressividade; excesso de energia com pouca necessidade de sono; ideias de grandiosidade e poder. Este período muitas vezes alterna-se com depressão, dominada pela tristeza, desânimo, desesperança, falta de energia, falta de prazer, aumento ou diminuição do apetite e do sono, queda da libido, ideias de morrer ou de acabar com a própria vida. Pode também acontecer apenas uma das fases durante a crise, mas trata-se de transtorno bipolar se pelo menos uma vez na vida tenha ocorrido a outra fase.
As crises ocorrem geralmente porque há diminuição ou suspensão do tratamento ou a abordagem terapêutica não está sendo efetiva ou eficaz. Isso é o que acontece com Bacelar, que sempre interrompe o tratamento, julgando não haver necessidade do mesmo.
Naquela noite aconteceu o que Ana temia: Bacelar aborreceu-se com os convidados, porque um deles solicitou que mudasse o repertório musical, provocando sua ira. Conclusão: expulsou todos os convidados de casa. Depois disso, Ana foi deitar-se e ele ficou arrumando a bagunça deixada nos fundos pelos amigos. Não dormiu a noite toda, tinha toda energia do mundo para permanecer trabalhando. Pela manhã estava bem pior, muito falante, irritado, agressivo, quebrando artesanatos, que havia recebido de presente e doando, por meio de seu aplicativo bancário, algumas reservas financeiras da família para instituições de caridade.
Ana pediu ajuda a familiares e amigos, mas ninguém o convenceu a ir ao hospital. Mais uma vez foi necessária a ajuda dos Bombeiros. ado um mês de internação, foi para casa, com um quadro depressivo leve, que melhorou após quase noventa dias de tratamento. Voltou à vida normal, está trabalhando e defendendo-se do processo motivado pelos insultos dirigidos a uma colega de trabalho. Um atestado psiquiátrico pode ajudá-lo em sua defesa. Quem sabe, Bacelar, de agora em diante não abandone mais seu tratamento.