O que poderíamos ter feito por William? 6o2u3t
Desde que começou a ser feita, estatística mostra quase 2 mil mortes por suicídio em MS. O registro mais recente é de um jornalista, impondo à classe a pergunta sobre como podemos evitar essas perdas 106x2z
O “Setembro Amarelo”, mês de alerta sobre o suicídio terminou nesse sábado. Em plena campanha de alerta para o problema em curva crescente, a cada dois dias foi registrado um caso pelo menos em Mato Grosso do Sul.
Entre as vidas perdidas para o ato extremo, uma estava entre nós, jornalistas. Era um dos nossos.

Como em qualquer situação dolorida, aperta mais quando a ferida é próxima da gente. Assim é a vida em comunidade. A morte de William Leite, “um dos nossos”, abriu na classe a interrogação gigante que vem depois de cada suicídio.
O que a gente poderia ter feito? 1m1a12
O grupo dos jornalistas, experimentado em relatar as dores do mundo, nem sempre é unido na hora de cuidar das suas. A maioria de nós nem sabe os caminhos para isso. Cada está na sua guerra pessoal, cada um com seu grau de dificuldade, de êxito, fracasso, de egoísmo, ou miopia, sei lá, para quem a por piores apuros.
Depois da morte de William, veio uma espécie de ressaca moral. Muitos se manifestaram no mural das redes sociais sobre os supostos sinais dados por ele, desde sua entrada no mercado de trabalho, de uma vida difícil e cheia de questões emocionais.
Depois da morte, a maioria “sabia”. Como se fosse um réquiem póstumo para o colega. Agora não adianta mais. Antes disso, o que poderíamos ter feito?
Em lembrança de William, com quem essa colunista trabalhou por breve período- o suficiente para ouvir relatos de uma trajetória cheia de percalços, fardos mais pesados do que a maioria aguenta – a edição deste domingo da Capivara Criminal sai da rotina.
Há momentos na vida pra sair do prumo. E lamber as feridas.
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Neste domingo, a Capivara Criminal pediu ajuda a dois psiquiatras para responder à pergunta que circulou, tenho convicção, entre quem conhecia William Leite, e dividiu com ele a tarefa de ir a locais de crime ou compartilhou de uma esticada no boteco após aquele dia pesado de pautas na rua.
Foi difícil para todos, mais ainda para os mais próximos, saber em meio ao expediente, da morte do jornalista, encontrado sem vida pelo Corpo de Bombeiros. É uma forma de se morrer incompreensível, assim como ainda é a mente humana.
Em resumo, os profissionais ouvidos disseram que quem se mata, está tentando dar fim a um sofrimento emocional gigante. Um fardo inável.
Para essas pessoas, só o fim da existência é o remédio necessário.
Acostumados a tratar do assunto, ambos os psiquiatras consultados disseram que, ao contrário disso, existe tratamento sim para estados psíquicos capazes de levar a ideação e à concretização do suicídio.
E quem está próximo pode ajudar de várias formas, inclusive falando do tema, como estamos fazendo aqui, em vez de tratá-lo como um tabu, como já foi..
Veja o que os médicos dizem sobre como um amigo, um colega pode ajudar alguém em sofrimento mental: 32ti

Marcos Estevão, psiquiatra e escritor, colunista do Primeira Página 1wdn
“Primeiramente, percebendo os sinais de um risco de depressão. O risco a gente avalia, a gente não tem certeza quem vai realmente se suicidar, mas os riscos como o isolamento, falar em morte, falar em acabar com a vida, dizer que não tem mais ânimo para viver, que a vida não vale a pena, que seria melhor morrer e que está pensando em concretizar esse ato, muitas vezes dizendo até que já planeja, falando até dos seus próprios planejamentos, nós temos que intervir de alguma maneira, falando com familiares, amigos mais próximos, providenciar a levá-lo a um profissional de saúde mental, um psiquiatra ou psicólogo para fazer o tratamento. Iniciar o tratamento. Muitas vezes, se faz necessário, inclusive, um tratamento hospitalar. Outras vezes, não, apenas o ambulatorial é suficiente. Isso é que precisa ser feito nesses casos.
De modo geral, quem fala tem grande possibilidade de concretizar a tentativa. E a tentativa tem também grande possibilidade de ser efetiva.
É importante lembrar que quem tenta o suicídio não quer acabar com a vida. Ele gostaria só de acabar com o sofrimento. Então, se a gente conseguir intervir rapidamente, provavelmente a gente vai salvar uma vida que, de alguma forma, existe o desejo de ser vivida por aquela pessoa que tenta acabar com ela.
Assim como nós não podemos salvar todas aquelas pessoas que vão ter um infarto agudo miocárdio, nós não temos como salvar as pessoas que vão cometer suicídio, assim como a cardiologia não tem como agir em todos os casos, a psiquiatria também não, a psicologia também não. Mas se nós tomarmos todas aquelas providências que eu falei há pouco, a gente tem grandes. Isso porque é aquilo que eu falei, a gente pode prever os riscos, mas não tem como saber quem dessas pessoas que têm o risco de suicídio vão efetivamente cometer o ato. De qualquer forma, prevenção significa em reconhecer riscos e agir junto com a família para tentar prevenir o maior número possível de casos.!”

Adriano Bernardi do Prado, psiquiatra atuante em Campo Grande 4fu4b
“O suicídio geralmente acontece quando a pessoa faz um balanço de vida e não consegue ver sentido, prazer ou esperança nela. A pessoa no fundo não quer nem morrer, e sim parar de sofrer. E por não ver saída acaba acreditando que a única solução é o suicídio.
Não existe uma receita infalível, mas algumas atitudes podem ajudar.
Ao contrário da crença comum, por vezes tocar no assunto (dependendo da abertura da pessoa) e falar sobre a ideia de suicídio pode fazer a pessoa se sentir compreendida e aliviar esse impulso. O suicídio é um ato baseado na maioria das vezes numa interpretação errada e excessivamente negativa da vida, característica da depressão.
Nesse caso, podemos tentar ajudar mostrando outras interpretações que não estejam carregadas por esse negativismo.
Por exemplo, um jornalista batalhador que acabou de ar por um divórcio pode se julgar “fracassado” por “não estar rico e não dar certo nem no amor”, ao o que seus amigos podem ter uma ideia totalmente oposta sobre o seu valor. Podem achar que ele é excelente no que faz, que não teve todas as oportunidades mas soube aproveitá-las e que é uma pessoa interessante que apenas ou por uma fase difícil.
Eu mesmo queria ser atleta e “desisti” para estudar, etc. Pela interpretação negativa eu poderia pensar: “Fui covarde! Não segui meu sonho e me anulei pela minha família!”
Ou pensar: “Nasci num país lascado, com mais oportunidades que uns e menos que outros, tive que fazer escolhas e o mais razoável foi estudar, construir uma vida e manter o esporte como hobby.”
Tipo o “jogo do contente ” dos livros da Pollyana. É preciso fazer isso, e sim como uma escuta empática.
Por exemplo, se a pessoa fala:
“Eu sou uma idiota mesmo! Achei que aos 30 anos estaria feliz, casada, com filhos, viajando, etc, etc e agora estou aqui com 40 anos, devendo, num emprego que eu odeio! Melhor eu sumir de uma vez, já que nem meu marido aguentou…”
O primeiro impulso é a gente querer “propor soluções ” que podem parecer críticas, tipo:
“Mas também! Você só namora cara sem noção! Pára com isso! Pelo menos você tem um emprego! E o fulano que tá com câncer? Etc.
Em resumo, não deixar a pessoa se isolar, tentar demonstrar o valor que a pessoa tem para você e outros, enquanto tenta mostrar com cuidado a sua interpretação da situação, mostrando os pontos de apoio que ela pode ter e não percebe, como amigos, conquistas, família e tal. E também falando sem preconceito sobre tratamento, experiências parecidas que você viu.
A sensação de ser compreendido é o que mais ajuda, e saber que alguém se importa faz toda a diferença.
A gente nunca tem a real noção do nosso valor, e se nos isolamos acabamos “cristalizando” ideias erradas sobre a vida. Infelizmente não é possível evitar completamente uma decisão extremada, mas se mostrar presente, mostrar que se importa e tentar mostrar outros ângulos mais positivos da vida pode melhorar as chances de ajudar alguém.
É importante frisar uma coisa: nem todo suicídio ocorre pela depressão, mas a depressão é a maior causa. Existe o suicídio por causas, ideologias, como samurais que se suicidavam por desonra, pessoas que se imolam em protestos, etc.
No caso da depressão, ocorre um desbalanço dos neurotransmissores cerebrais e a pessoa sente as emoções negativas com intensidade anormal, ao mesmo tempo que as emoções positivas ficam embotadas.
A pessoa não consegue sentir as emoções positivas na intensidade saudável, então a tendência é sentir as emoções negativas com intensidade anormal. Uma incapacidade de sentir adequadamente o prazer e felicidade. Então mesmo que a pessoa tente ” pensar positivo”, seu cérebro não consegue ” sentir essa emoção positiva”.
Por isso que muitas vezes é necessário uso de medicamentos e terapia.
O fato acontece, a mente interpreta, o cérebro reage. Se você não consegue reagir de maneira saudável, a tendência é sentir tudo mais negativo do que realmente seria.
Nem só remédio, nem só esforço, nem só terapia. O tratamento deve combinar tudo.”
Os números 6x4020
Os dados do banco de dados da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública) indicam que desde 2013, foram quase 2 mil mortes por suicídio em Mato Grosso do Sul.
A estatística vem crescendo desde os primeiros anos da pandemia, como você pode conferir no quadro abaixo.

Clique neste link para ter o ao conteúdo do Ministério da Saúde sobre prevenção ao suicídio.