Alvos combinaram falas sobre corrupção na saúde em MT 2k5s3q
Comportamento durante operação "Espelho" pode configurar obstrução de justiça, mas não houve providências nesse sentido 122i60
Esta edição da Capivara Criminal começa com uma proposta de exercício de memória. Quanta coisa já aconteceu no mundo, no Brasil e na sua vida nos últimos dois anos? Certamente muita.
No cenário internacional, para ficar em poucos fatos, estourou a Guerra na Ucrânia, teve vulcão em erupção e uma despedida bastante simbólica, a da Rainha Elizabeth.
Em terras brasileiras, trocamos de presidente, com a primeira derrota de um titular da cadeira do Planalto na disputa pela reeleição, e teve até tentativa de golpe de Estado…
Esta jornalista que escreve trocou de projeto de trabalho e vive, há pouco mais de dois meses, o luto da perda da mãe. São transformações importantes, da geopolítica internacional ao universo pessoal.
Não deu tempo ainda, porém, de desatar um nó que coloca suspeição sobre um gasto essencial, capaz de redundar em vida ou morte; o da saúde pública em Mato Grosso. A caminho dos três anos, a operação “Espelho” ainda está em fase de inquérito, apesar de tantos elementos já coletados envolvendo contratações irregulares de fornecedores e superfaturamento, em meio à pandemia de covid-19.
De concreto, até agora, 33 milhões de reais em bens sequestrados e a determinação judicial de proibição de contratação do grupo de empresas sob escrutínio policial.
Perguntas sobram sobre esse tema tão caro à sociedade. Na semana ada, a Capivara Criminal tratou do assunto e está voltando a ele, para falar justamente do que não foi considerado no andamento dos trabalhos de investigação policial, ampliando os pontos de interrogação.
Leia mais 6p1262
Pelo trabalho jornalístico feito, a investigação que apura prática de crimes em contratos do poder público com empresas prestadoras de serviços médicos encontrou, em suas esquinas, com a tentativa de embaraçar os trabalhos.
Em vez de responsabilização dos envolvidos, por tentativa de obstrução de justiça, seguiu-se o andamento sem adotar providências, ao menos de conhecimento público. Fontes ouvidas pela coluna indicam como reflexo direto o comprometimento da fluidez da apuração e a consequente limitação da eficácia do poder de tipificar condutas para responsabilizar os culpados.
“Só funcionários” 602n3i
Uma das marcas de embaraço à investigação está no resultado da análise da interceptação telefônica entre atores importantes das situações sob apuração. Os diálogos captados com ordem judicial de 16 de julho de 2021, do juiz Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, demonstram combinação de depoimentos e preocupação em alinhamento das falas.
Nove pessoas foram monitoradas durante 15 dias, prazo estabelecido por lei para esse tipo de providência, ível de prorrogação sempre com autorização judicial. Eram médicos e empresários, indicados pelos investigadores como personagens relevantes na dinâmica dos fatos sob suspeita.
Eles já haviam sido intimados a depor no inquérito em curso e, estrategicamente, solicitou-se a interceptação de 17 terminais telefônicos.
O conteúdo captado virou um relatório técnico policial, assinado pela Defaz e pela Deccor, unidades da Polícia Civil.
No documento, a degravação das conversas retrata os alvos interceptados se articulando quanto ao que falariam, de forma a sincronizar as versões.
Os diálogos mais assertivos nesse sentido têm como interlocutores um médico e um dos sócios das empresas investigadas, tratado mais comumente como Zé Carlos, de nome de batismo José Carlos da Costa Marques, sócio da LB Serviços Médicos, uma das suspeitas de formar um cartel com outras sete empresas alvos da operação Espelho.
Na conversa com o médico Luiz Henrique Silva Borges, ele fala inclusive em acionar o departamento jurídico para orientar os profissionais sobre o que devem ou não falar.
Confira:

Em debate, a prestação de serviços dos médicos no hospital Metropolitano de Várzea Grande, de onde partiu uma das frentes de investigação, diante da suspeita de que o corpo clínico estava sendo orientado a mentir sobre os dados referentes a pacientes internados por covid-19 e sobre as escalas de trabalho.
Na conclusão do relatório, porém, não foi considerada sequer a hipótese de uma tentativa de obstrução de justiça ou, ainda, de indícios de formação de organização criminosa, definida pela lei como “a associação de quatro ou mais pessoas, de forma estruturada, com tarefas definidas para cada uma, para prática de crimes”.
O relatório final desmerece a importância dos diálogos, definindo os interlocutores como “apenas funcionários”.
Em outra circunstância, que também provoca estranheza, refere-se a diligência no Hospital Metropolitano, no dia 14 de agosto de 2020, logo no início das investigações, quando investigadores e auditores requisitavam documentações à diretoria-geral do estabelecimento. Teria havido ocultação ou adulteração de documentações solicitadas pelos investigadores. Isso, aos olhos da lei, poderia ser enquadrado como crime de obstrução/embaraço a investigação de organização criminosa.
Nos termos do relatório policial, os investigadores “sentiram um pouco de arrepsia” dos funcionários para mostrar os documentos requisitados.

A impressão sobre a reação da diretoria, segundo relatado, é de que “queria ganhar tempo” segundo a equipe no local até dar tempo de fazer adulterações dos documentos a serem fornecidos.
É o que consta de relatório policial. A impressão dos investigadores, descobriu a Capivara Criminal, é confirmada pelos auditores da CGE (Controladoria Geral do Estado) em recomendação técnica de outubro de 2020.
“Para além do crime de obstrução/embaraço a investigação de organização criminosa – artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/2013, deparava-se ali com flagrante crime de adulteração de documentos públicos (art. 297, Código Penal)”, aponta fonte da área de Direito à coluna.
E os superiores? 5a1c3r
Não se tem conhecimento de nenhuma providência nesse sentido. Todas as vezes que a coluna solicitou informações sobre a investigação, a resposta recebida é de que está em andamento e de que se trata de conteúdo sob sigilo.
O Ministério Público de Mato Grosso acompanha todo o desenrolar, e também alega sigilo das apurações, atribuindo a Polícia Civil a tarefa de se manifestar.
Para encerrar essa coluna com mais uma provocação em forma de pergunta, há uma para a qual nem toda a polêmica já dispensada ao assunto tem resposta. O dinheiro investido em saúde pública vem, basicamente, das destinações ao SUS (Sistema Único de Saúde), que é gerido, que tem gestão de todas as esferas governamentais.
Isso significa que os gestores devem dar explicações, mas até o momento, não há publicidade alguma sobre providências adotadas no sentido de levar a situação em investigação no Mato Grosso ao MPF (Ministério Pùblico Federal), por exemplo.
O gestor da Secretaria de Saúde de Mato Grosso à época dos fatos sob investigação deixou o cargo este ano para assumir vaga de deputado estadual. Gilberto Figueiredo, do União, chegou a ficar sob risco de abertura de uma I (Comissão Parlamentar de Inquérito) para vasculhar sua istração na saúde, porém a iniciativa não vingou.
Ele foi ouvido pelos parlamentares, disse saber pouco sobre a investigação, por ser sigilosa, e alegou ter demitido a diretoria do hospital Metropolitano de Várzea Grande quando surgiram suspeitas de problemas graves na condução do contrato para prestação de atendimento médico pela empresa contratada.
Na semana ada, Figueiredo voltou ao cargo e agradeceu ao governador Mauro Mendes.

“Foi um período de grande aprendizado. Retorno à SES com novo gás e com mais vontade de executar os grandes projetos que estão no escopo da Secretaria. Parabenizo o secretário Juliano Melo pela condução responsável desta Pasta, que naturalmente é tão desafiadora, e agradeço ao governador Mauro Mendes por mais uma vez confiar no meu trabalho”, disse o secretário.
Gilberto Figueiredo foi vereador na Capital e secretário municipal de Educação na gestão de Mauro Mendes em Cuiabá. Também foi diretor do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial de Mato Grosso (Senai-MT).