Chico Buarque e o enigma das 14 sílabas 4x1p7
A orquestração da música acompanha a tensão crescente da história, com instrumentos de cordas e metais criando um clima épico e quase cinematográfico 2s2cb
Lançada em 1971, “Construção”, de Chico Buarque, não é apenas uma música, mas um verdadeiro experimento literário e sonoro dentro da MPB. Cada verso da canção segue meticulosamente um padrão rígido de 14 sílabas poéticas, um recurso conhecido como verso alexandrino, que cria um efeito hipnótico e crescente. Combinada a uma orquestração dramática, a estrutura dos versos transforma a narrativa simples de um operário em um retrato trágico e simbólico da alienação do trabalhador brasileiro.

Uma estrutura perfeita em 14 sílabas 3b2l4j
A genialidade de “Construção” está na precisão da sua métrica. Cada estrofe segue um ritmo exato, com versos longos e cadenciados, que conferem um tom solene e quase litúrgico à narrativa. Mas Chico Buarque não se contentou apenas com a simetria métrica: ele foi além e criou um jogo de palavras onde os versos se repetem, mas com pequenas mudanças no final de cada linha, alterando completamente o sentido da história.
No primeiro ciclo, o personagem principal sai de casa, beija a esposa e segue para o trabalho em sua rotina habitual. No segundo ciclo, os mesmos versos são reutilizados, mas com as palavras finais trocadas, revelando um desfecho trágico e inesperado:
- “E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
- E flutuou no ar como se fosse um pássaro
- E se acabou no chão feito um pacote flácido
- Agonizou no meio do eio público”
Além disso, todas as palavras finais dos versos são proparoxítonas (com acento na antepenúltima sílaba), um truque raro na música popular que dá à canção um ritmo incomum e marcante. Esse efeito reforça a sensação de previsibilidade no início da música, apenas para ser desconstruído na segunda parte, refletindo a própria queda do operário.
A crítica social e a Ditadura Militar 32dm
Embora não mencione diretamente o governo, “Construção” foi lançada em pleno período da Ditadura Militar, quando a censura estava no auge. A narrativa de um operário anônimo, que trabalha até o limite e morre sem que ninguém pare para lamentar sua perda, foi interpretada como uma metáfora da exploração do trabalhador e da frieza do sistema capitalista.
Na época, Chico Buarque já era um nome visado pelos censores, especialmente após músicas como “Apesar de Você”, uma crítica direta ao regime. Para evitar problemas com a censura, o cantor usou metáforas e uma estrutura complexa, mas a mensagem de “Construção” era clara: a vida de um operário vale pouco em um sistema que o enxerga como peça descartável.
A trilha sonora de um colapso 442b2u
A grandiosidade de “Construção” não se limita à letra. A orquestração da música acompanha a tensão crescente da história, com instrumentos de cordas e metais criando um clima épico e quase cinematográfico. A repetição dos versos, somada à intensidade dos arranjos, provoca no ouvinte uma sensação de ansiedade e desconforto, como se a tragédia fosse inevitável.
À medida que os versos mudam e o destino do personagem se desmorona, a música também se torna mais frenética e caótica. Esse recurso, aliado ao jogo de palavras, faz com que o impacto da canção seja muito mais do que apenas emocional: é também físico e sensorial.
O legado de uma obra-prima 2o3v1e
Mais de 50 anos após seu lançamento, “Construção” segue sendo considerada uma das maiores músicas da história da MPB. Em 2009, a revista Rolling Stone Brasil classificou a canção como a maior música brasileira de todos os tempos, e sua influência segue forte até hoje, sendo estudada em cursos de literatura e composição musical.
Além de um exercício de métrica e poesia, “Construção” continua sendo um símbolo de resistência e uma crítica atemporal à desumanização do trabalho. Com sua precisão matemática e sua carga emocional devastadora, Chico Buarque conseguiu transformar uma história comum em uma experiência inesquecível – provando que, na música, cada sílaba pode carregar um mundo inteiro de significado.
Comentários (16) k3z5e
Essa composição de Chico Buarque para mim é a melhor da nossa MPB. Gostaria de parabenizar o autor desse texto magnífico acerca da composição.
Olá,
O texto é ótimo, porém, desacordo de que o texto seja composto por versos de 14 sílabas poéticas:
A/MOU/ DA/ QUE/LA/ VEZ/ CO/MO/SE/ FO/SSE A/ ÚL/ (TIMA)
PARA LEITURA , 12 SÍLABAS POÉTICAS.
PODE – ME CONTESTAR, JÁ QUE O TEXTO É SEU.
ABRAÇOS
Parabéns pela matéria e por trazer essa canção genial. Apenas um comentário, não são apenas os últimos versos que são modificados, Chico vai recombinante as palavras criando sentidos cada vez mais oníricos. Interessante que um dia meu filho de 12 anos me disse, Pai, ele se matou..saiu de casa já sabendo que não voltaria…
Valdecy está certo. São 12 sílabas poéticas. Conta-se até a última tônica.
Valdecy está certo. São 12 sílabas poéticas. Conta-se até a última tônica.