Tio Arantes e os 40 anos de vida no crime 4x265c
Capturado na semana ada na Bolívia, José Cláudio Arantes tem uma ficha criminal que começa em 1984 e vai de assassinato a assalto a bancos e tráfico de drogas 5d2p1z
ava um pouco das seis da tarde de 6 de setembro de 2023 quando policiais bolivianos da Felcc (Força de Luta Contra o Crime) abordaram, numa das mais extensas avenidas de Santa Cruz de La Sierra, a Juan Pablo II, um brasileiro identificado pela identidade como Raildo Texeira da Silva. Seria só mais uma checagem dos dados de imigração, mas o cidadão ficou bastante alterado, a ponto de tentar destruir o celular usado.
Logo o destempero teve explicação: estava com documento falso. Era, na verdade, José Cláudio Arantes, o “Tio Arantes”, 68 anos, procurado desde 23 de novembro de 2021, após escapar em circunstâncias até agora não esclarecidas, do Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, em Campo Grande (MS). No presídio, os internos do semiaberto, como era o caso dele, ficam intramuros, trabalhando dentro da própria unidade.
Terminava ali, na maior metrópole boliviana, de 3 milhões de habitantes, mais uma das temporadas na clandestinidade de um homem cuja vida bandida é longeva. José Cláudio Arantes tem registros criminais oficiais desde 1984, segundo a investigação jornalística da Capivara Criminal.
No vídeo acima, da rádio Ercel, de Puerto Quijarro, você pode ver como foi a entrega do preso à Polícia Federal, que o trouxe de Corumbá para Campo Grande, onde foi levado para o presídio fechado da Gameleira I, mais conhecido como “Supermáxima”, dado o regime severo de custódia. Curiosamente, o prédio é vizinho do local de onde o capturado havia escapado.
Fugas e prisões 6s4c50
São quase 40 anos de idas e vindas das cadeias, delegacias e outros ambientes policiais e judiciários de Mato Grosso do Sul.
Em quatro décadas, estão anotadas fugas de Arantes em meia dúzia de oportunidades. No contraponto, prisões pelas forças estaduais de segurança e pela Polícia Federal.
Dono de outros apelidos, como “Lion”, “Tiozinho” e “Grif”, José Cláudio Arantes dá nome a uma ficha criminal recheada de tipos penais: de homicídio a tráfico de drogas; de assalto a banco à chefia da facção criminosa dominante na massa carcerária de Mato Grosso do Sul.
Carrega o carimbo de ter sido apontado como um dos cabeças da rebelião mais violenta já ocorrida em presídios sul-mato-grossenses, a de 14 de maio de 2006. Naquele Dia das Mães, prisões espalhadas pelo país sucumbiram aos motins ordenados pela máfia atuante dentro e fora do sistema carcerário.
Em Campo Grande, a cena mais lembrada e mais terrível desse momento crítico é a de detentos no teto na “Máxima”, até então a unidade prisional tida como a mais segura da cidade, segurando a cabeça de um colega de cárcere assassinado de forma brutal.
José Cláudio Arantes chegou a ser denunciado à Justiça como o mandante dessa execução e você verá qual o resultado na cronologia abaixo sobre alguns dos episódios ilegais e violentos nos quais se envolveu.

Trajetória fora da lei o5s4z
- Em 1984, aos 28 aos, em Anastácio, onde nasceu, foi acusado de lesão corporal seguida de morte. O caso foi processado em Aquidauana, cidade vizinha, e José Cláudio não chegou a cumprir pena.
- Em janeiro de 1985, época em que trabalhava como taxista, no ponto 03 de Anastácio, em frente à praça local, matou um homem a tiro de revólver calibre 38. Foi condenado a 4 anos de reclusão.
- Em 1987, foi preso pela Derf (Delegacia Especializada de Roubos e Furtos), por um assalto a agência bancária do banco Bradesco.
- A partir de 1988, começam a aparecer as prisões por tráfico de drogas, a primeira delas em Três Lagoas.
- Em 2004, foi condenado em Campo Grande a seis anos de reclusão por envolvimento com o tráfico de drogas. Essa foi apenas uma das condenações.
- Abril de 2006: é executado em seu escritório em Campo Grande o advogado William Maksoud. “Tio Arantes” aparece entre os 12 indiciados e denunciados.
A trama envolvia, conforme a investigação, o pagamento de cem mil reais, além de um veículo, ao defensor para conseguir a transferência de uma liderança da máfia à qual Arantes fazia parte, o que não se concretizou. Em dezembro de 2007, a Justiça mandou a júri apenas quatro dos denunciados. José Cláudio não estava entre eles. - Em 14 de maio de 2006, foi apontado como um dos cabeças do motim no EPSM (Estabelecimento Penal de Segurança Máxima) no Jardim Noroeste. Foi acusado de ser um dos mandantes da morte cruel de Fernando Aparecido do Nascimento Eloy, detento do pavilhão “adversário” da ala onde ficavam os faccionados rebelados. Fernando Eloy foi espancado, teve o corpo queimado e a cabeça arrancada e exibida no teto do prédio tomado pela massa de condenados.
Em 2009, foi denunciado por homicídio qualificado em razão desse crime, mas acabou sendo inocentado. A Justiça entendeu que não havia provas da ligação de “Tio Arantes” com o fato. - No mês de abril de 2016, é preso em Campo Grande junto com um grupo, em um local onde, segundo a polícia, funcionava espécie de laboratório de preparo de drogas. Armas, drogas e veículos são apreendidos.
- Outubro de 2017: foi identificado pelo Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros) como planejador de ataque à agência do Banco do Brasil no Parque de Exposições Laucídio Coelho. O plano teve aluguel de imóveis, troca de veículos, obstáculos espalhados pelo chão para dificultar a ação policial e até um tipo de explosivo com potencial menor de danificar as cédulas de dinheiro. Só uma pessoa foi condenada.
Mais uma vez, a Justiça entendeu não haver provas da participação de José Cláudio Arantes. - Em outubro de 2017, quando recapturado, em meio à investigação sobre o roubo na agência bancária, foi encontrado com ele um celular roubado em Três Lagoas, no ano de 2015. Por esse crime de menor potencial, foi condenado, durante o tempo foragido na Bolívia, à pena de 3 anos de reclusão.
- Em junho de 2018, quando estava custodiado na Máxima, foi alvo de duas operações, a Paiol, do Gaeco de Mato Grosso do Sul, contra duas dezenas de integrantes da facção criminosa, e Echelon, realizada pelas autoridades, contra a mesma irmandade criminosa.
A condenação na operação “Paiol” foi a 18 anos de prisão. Era essa pena que “Tio Arantes” estava cumprindo quando fugiu do semiaberto da Gameleira.
E agora que foi preso de novo? s6y4a
Dois mandados de prisão foram cumpridos com a captura de José Cláudio na Bolívia.
Uma ordem era decorrente da fuga do sistema semiaberto, onde cumpria pena de pouco mais de 18 anos de prisão, e já tinha progredido de regime quando escapou. Com a fuga, o juiz responsável pela execução penal, Fernando Chemin Cury, determinou o retorno ao regime fechado.

O outro mandado de prisão decorria de medida cautelar deferida a pedido do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), em investigação sobre formação de organização criminosa.
Esse processo, apurou a coluna, estava suspenso em razão da fuga de “Tio Arantes”, que é réu junto com uma mulher, que havia sido presa com 147 quilos de maconha.
Daqui para frente, a ação poderá ser retomada.
Pena a cumprir 1u571x
Depois que “quebrou” o regime semiaberto, José Cláudio Arantes regrediu para o sistema prisional fechado. Também recebeu nova condenação no período de fuga.
Sua pena será novamente calculada, depois de ter sido localizado pelas autoridades bolivianas e expulso para o Brasil.

Conforme o extrato mais recente obtido pela Capivara Criminal, “Tio Arantes” tinha cumprido 2 anos, 9 meses e 19 dias de pena, espaço temporal equivalente a 15% da reprimenda imposta. Faltavam 15 anos, 6 meses e 11 dias. Ele estava preso em razão da operação Paiol, do Gaeco.
Fuga sob investigação 1b36w
A volta do fugitivo traz de volta as inúmeras perguntas feitas quando ele escapou do complexo da Gameleira. Foi um furo na imagem do estabelecimento, projetado para acabar com a imagem que um dia teve o lugar, chamado até de “Colônia de Férias”, pois os internos saíam quando queriam, pois era tudo aberto e as condições precárias.
Pois no dia 23 de novembro de 2021, “Tio Arantes” conseguiu burlar o esquema de vigilância e sumir ando por um alambrado. Nenhuma câmera filmou. A justificativa dada foi de que um apagão impediu o funcionamento dos equipamentos.
O juiz da execução penal determinou a investigação das circunstâncias. O inquérito foi aberto pelo Dracco (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado). Pela apuração da reportagem, não houve grandes evoluções.
Com o retorno de José Cláudio Arantes, ele deve ser interrogado sobre como conseguiu escapar.
Na Agepen (Agência de istração do Sistema Penitenciário) abriu apuração interna para saber se houve conivência de funcionários. A coluna tentou, mas não houve resposta sobre o andamento desse procedimento.
Leia mais 6p1262
Aline Gabriela Brandão, enteada de José Cláudio Arantes, é advogada dele nos processos judiciais. Ela foi procurada pela coluna e não se manifestou. Menos de um mês antes de o padrasto ser preso, o marido dela Thiago Gabriel Martins da Silva, também chamado de “Especialista”, e indicado como integrante do mesmo grupo criminoso de Arantes, foi capturado na Bolívia, só quem em outra região, o departamento de Beni.
Réu em Campo Grande por participação em um assassinato no qual o corpo da vítima nunca foi localizado, Thiago estava em um acampamento do tráfico, onde foram encontradas até granadas. Na situação dele, como será processado por um crime mais grave na Bolívia, a devolução ao Brasil é mais complexa. O nome foi incluído na divisão vermelha da Interpol, para que o mandado em aberto em Mato Grosso do Sul seja cumprido.
Não se sabe se as capturas têm relação e menos ainda se os dois homens tinham algum tipo de negócio em comum em terras bolivianas.