Capivara Criminal 232h40

Roteiro da vida real: morte violenta e herança milionária em disputa 5186j

Em 1º de dezembro de 2017, dono de imobiliária foi achado morto na cama em Campo Grande e de lá para cá, o caso ganhou contornos mais dramáticos, sem um desfecho judicial 4y4d1t

Começo a edição deste domingo da Capivara Criminal com uma confissão: sucumbi, solenemente, ao lugar comum de anotar, de início, que a vida de verdade produz histórias muito mais impressionantes do que a dos criadores de ficção.

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O casal da história trágica contada nesta edição da Capivara Criminal. (Foto: Reprodução de processo)

No evento criminoso sobre o qual vai se jogar luz, são muitas camadas. Elas cabem em qualquer tipo de narrativa dramática, desde um melodrama televisivo até uma série de true crime, gênero repleto de produções nas plataformas de streaming e um dos preferidos dos fãs de podcasts.

Vamos à sinopse: uma mulher de seus trinta e poucos anos e o companheiro, de meia idade, têm uma briga, ele alcoolizado, depois de chegar de uma lanchonete onde beberam cerveja juntos. Ela o mata com um objeto de madeira de decoração da residência. Foge com um jipe comprado por ele, mas registrado em seu nome.

  • O corpo é achado horas depois, em cima da cama do casal, tomado de sangue.
  • Na cena da morte, bagunça e objetos quebrados. Debaixo do cobertor, o porrete de 55 cm.
  • Na empresa do assassinado, uma imobiliária em outro bairro, é descoberto o sumiço de um valor alto. Fala-se em 200 mil reais.

Antes mesmo de o cadáver ser localizado, um advogado havia comparecido à Delegacia da Mulher e feito boletim de ocorrência por violência doméstica em nome da fugitiva, contra o companheiro.

ados quatro dias, ela se apresenta, mas na delegacia de outra cidade, onde nasceu e cresceu, sob alegação de escapar dos holofotes.

Presta depoimento, confessa ter matado o marido, alega legítima defesa, conta ter sofrido violência por vários anos, nega ter levado qualquer quantia, e fica livre para responder à acusação.

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O bastão de madeira decorativo usado no episódio criminoso. (Foto: reprodução de processo)

A história se desenvolve s3a2w

am-se quase seis anos. A mulher continua em liberdade. O acontecimento trágico deriva-se em três demandas judiciais complexas, acompanhadas de um sem número de intervenções na vida dos personagens envolvidos.

  1. Processo por homicídio qualificado contra a mulher;
  2. Processo pedindo indenização de 300 mil reais à ré para duas das filhas do homem morto;
  3. Ação de inventário e partilha, em que a mulher que itiu ter matado o marido pede sua metade dos bens deixados por ele. O patrimônio envolvido é de quase R$ 4 milhões.

As três ações se ramificam em trajetos jurídicos tortuosos, argumentos de lá e de cá e milhares de páginas, na primeira instância estadual, no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), no STJ (Superior Tribunal, de Justiça) e por fim no STF (Supremo Tribunal Federal).

Cinco filhos e uma viúva que é ré j1l7

À espera dos resultados, a ré, o filho dela com a vítima, de 16 anos, e a família do morto. Três filhas dele, de 28, 20 e 17 anos, de dois relacionamentos anteriores, ficaram órfãs de pai. Quando o inventário dos bens estava em curso, apareceu um quinto filho, hoje com 42 anos, de uma quarta mulher, nascido em 1981, na juventude do dono dos bens disputados.

É fácil inferir que a partilha da herança transformou-se em um intrincado debate jurídico. A filha mais velha é quem representa o espólio. Ela era sócia do pai na imobiliária.

A família tentou tirar a companheira e autora da morte do rol de herdeiros, por “indignidade”, diante do fato ocorrido.

Mantida como viúva “meeira” pela Justiça, a mulher pede para ter o a sua parte dos bens. Diz estar vivendo dificuldades desde a morte do marido, com quem morou por 15 anos. Justifica união estável entre eles, prevendo comunhão de bens.

Não é o entendimento da família dele, para qual não havia qualquer comprovação nesse sentido. Em despacho do final de agosto deste ano, a determinação foi para aguardar o avanço do processo de sucessão dos bens, que ainda está nas primeiras fases, para qualquer movimentação na herança.

Houve recurso para o TJMS, onde o entendimento de primeiro grau foi mantido.

 “O inventário se encontra em estágio inicial, uma vez que ainda não houve sequer a completa prestação das primeiras declarações, inexistindo, por consequência, definição dos bens que pertencem ao espólio e a existência ou não de direito à meação da parte, o que impossibilita, no momento, até mesmo dimensionar o ativo e o ivo do feito, e, também, o levantamento de valores.”

Decisão do TJMS

Na lista de bens, há uma chácara avaliada em mais de R$ 1,3 milhão, terrenos, imóveis, carros, dinheiro aplicado e a cota de metade da imobiliária.

É história para muitos EPs.

Indenização às órfãs 26396i

Em outra ação, a mãe das filhas mais jovens da vítima entrou com pedido de indenização de R$ 300 mil por danos morais, diante da perda sofrida pelas meninas.

“Vítimas diretas do evento danoso em tela, as requerentes viram diminuídas as dimensões do círculo familiar e perderam o referencial de amor e proteção paternos. ado o primeiro momento, as requerentes se deram conta também de que a ausência do genitor trouxe incertezas quanto ao sustento e à sua formação, visto que o pai era quem pagava plano de saúde, enviava mensalmente uma quantia em pecúnia para outras despesas e era, naturalmente, um porto seguro a que recorrer nas incertezas da adolescência”, sustenta trecho da petição apresentada.

Petição à Justiça

No mês ado, a decisão da Justiça foi de suspender o andamento desses autos até que seja feito o julgamento pelo tribunal do júri.

“É evidente a existência de prejudicialidade externa entre este feito e a ação penal, uma vez que o reconhecimento do direito indenizatório postulado pelas Autoras pressupõe a existência de ato ilícito praticado pela Ré”, condiciona o despacho.

Sem prazo para o júri 104u6b

Na contramão do andamento relativamente célere dos júris nos últimos anos, não há qualquer prenúncio de data para o conselho de sentença se reunir e decidir qual tese será acatada neste caso: a de um homicídio cruel, concretizado a partir de aproveitamento do estado alterado da vítima, ou a da legítima defesa por uma mulher exausta de violência doméstica.

Na alegações finais da defesa da acusada, o marido é traduzido como alguém abusivo, tanto em relação à violência quanto da bebida. Trechos do depoimento da indiciada em juízo sobre o dia dos fatos são usados, reproduzindo uma cena de agressões físicas sofridas pela ré antes do desfecho violento.

Além da cerveja na lanchonete, o marido teria ingerido uísque, algo consumido rotineiramente, conforme consta dos autos. Na época do inquérito policial, foi confirmada a existência de boletins de ocorrência anteriores envolvendo o casal. Na residência, a perícia encontrou um copo com líquido amarelado, com cheiro de álcool.

“A acionada, in casu, agiu não apenas contra injusta agressão atual – agressões físicas e psicológicas- mas também contra um estupro em andamento, protegendo não apenas sua integridade física, como sua própria dignidade sexual. Para isso, valeu do único meio disponível no momento o próprio objeto utilizado pela vítima até então para lhe agredir”, escreveu o advogado da indiciada.

O esforço defensivo, ao final da peça e de todos os recursos posteriores, é para quem nem haja um júri e a ré seja absolvida sumariamente, usando o excludente de ilicitude da legítima defesa.

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Trecho de peça processual argumenta em favor de legítima defesa por parte da ré. (Foto: reprodução de processo)

O plot twist é possível? Só os próximos capítulos poderão dizer.

A denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), em contraponto à tese defensiva, atribuiu à mulher o crime de homicídio qualificado por recurso que dificultou a defesa da vítima. De acordo com a investigação policial, a conclusão alicerçada na perícia no local de crime é de que o empresário foi morto sem oferecer resistência. Ou seja, poderia estar dormindo quando foi atingido pelas pancadas na lateral da cabeça.

“Segundo restou apurado, autora e vítima eram conviventes há aproximadamente quinze anos, e tiveram um filho em comum. Ocorre que, o relacionamento do casal era conturbado, sendo corriqueiro
episódios de discussões e agressões entre ambos”, conta trecho da denúncia da promotoria.

“Valendo-se do estado em que a vítima se encontrava e com o intuito de ceifar a vida de seu amásio, se apossou de um objeto de madeira, usado como decoração do imóvel, e efetuou diversos golpes na região da cabeça de Ivan, de modo que somente cessou sua conduta homicida quando viu sangue respingando na parede”, descreve o texto acusatório.

Denúncia do MPMS

No imóvel, havia circuito interno de câmeras, porém o sistema foi encontrado desligado pela perícia. Consta ainda, informação sobre uma separação em andamento, além de uma conversa antiga resgatada, sobre suposto plano da acusada para matar o marido.

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Um detalhe a princípio insignificante é registrado para costurar a versão de homicídio intencional. As fotos do local de crime mostram o morto totalmente vestido, com o cinto afivelado inclusive.

Explicar isso, na visão dos acusadores, faz sentido diante da acepção dos patronos da ré, de que houve agressão contra a mulher e intenção de sexo forçado, o equivalente a uma tentativa de estupro na forma legal.

Fotos dela com sinais de violência foram anexadas aos arquivos do feito. O exame de corpo de delito identificou uma dezena de hematomas, um deles de 20 centímetros no braço, possivelmente feito por um objeto contundente, conforme as conclusões dos peritos. As lesões foram consideradas leves no laudo .

Segundo ela, foi o homem que começou a agredi-la, com o bastão de madeira, chamado de “tacacá”. O motivo para a discussão do dia seria a descoberta, por parte dele, sobre a sociedade da esposa em uma clínica de estética.

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Foto anexada ao processo mostra equimose no braço da mulher acusada do crime. (Foto: Reprodução de ação penal)

Acusação reforçada 6o6h41

O time responsável pela tarefa de convencer o júri a condenar a mulher mobiliza, além da promotoria pública, duas assistentes de acusação pela parte da filha mais velha do empresário e mais uma pela parte da mãe dele.

Na fase de alegações finais, quando cada parte manifesta seus pedidos em relação a todo o conteúdo probatório apreciado no processo, a assistência de acusação da filha do empresário chegou a pedir a desclassificação do homicídio para um crime patrimonial, por causa do suposto furto de dinheiro na imobiliária. No registro inicial do caso, foi citado o sumiço de joias, uma delas avaliadas em 300 mil reais.

Isso faria o caso ser tratado como latrocínio, tiraria a decisão do júri popular e levaria para um magistrado apenas.

O juiz responsável, porém, entendeu haver indícios suficientes para levar à acusação ao crivo de sete jurados.

Aí começou a sequência de recursos.

Em junho de 2023, o relator do caso no STJ, ministro Messod Azulay Neto, advertiu a defesa sobre a insistência em pedidos semelhantes.

“Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração com a advertência de que a se reiterar a interposição de recursos como o do presente caso, estes serão considerados como protelatórios, com a determinação de baixa dos autos, independentemente de publicação do acórdão, e com a respectiva certificação de trânsito em julgado.”

Despacho do STJ

Na decisão mais recente, o STJ negou seguimento a um novo embargo de declaração , tipo de remédio jurídico no qual os representantes da ré alegaram falta de clareza no acórdão do TJMS mantendo a decisão de levá-la ao tribunal do júri.

Como o questionamento suscita descumprimento de uma regra legal, os advogados da ré estão tentando o último caminho, o STF (Supremo Tribunal Federal), a corte que tem sido a mais falada no Brasil atual.

Então, leitores, está nas mãos dos homens de toga preta do Supremo o desenrolar do roteiro abordado pela Capivara Criminal.

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Entenda quem são os atores principais dessa trama da vida real.

Quem é a vítima:

Ivan Junior Marquesan da Cunha, morto aos 55 anos. Era dono de uma imobiliária, que também tinha serviços de cobrança de crédito, segundo o contrato social. Na época do crime, a ficha de antecedentes dele juntada ao processo mostrou agens policiais, entre elas violência doméstica.

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Ivan Marchesan da Cunha, que foi morto com pancada na cabeça, em dezembro de 2017. (Foto: reprodução de processo0

Quem é a acusada do crime:

Dirleia Patrícia Monteiro Paes, 44 anos. No processo, ela é identificada como auxiliar istrativa, mas segundo informações dos autos, é dona de uma clínica de estética. Tinha antecedentes criminais por furto e outros crimes de menor potencial e já tinha sido presa, em 2012, em Aquidauana, onde nasceu, cresceu e tem parentes.

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Dirlea Patrícia, ré pela morte de Ivan Marchesan. (Foto: Reprodução de processo)

Onde o crime ocorreu?
Em uma casa na Vila Bandeirantes, em Campo Grande, pertencente à vítima. O imóvel está entre os bens arrolados no inventário.

Quem investigou o caso?
A 6ª Delegacia de Polícia Civil em Campo Grande. O responsável na época era o delegado Walmir Moura Fé. A apresentação e as primeiras falas da mulher à Polícia Civil, porém, ocorreram em Aquidauana, ao então delegado Eder Oliveira Moraes, hoje preso por tráfico de drogas e estupro.

Onde correm as três ações derivadas do caso?

  • Homicídio: 1ª Vara do Tribunal do Júri em Campo Grande, a cargo do juiz Carlos Alberto Garcete.
  • Indenização às órfãs: 9ª Vara Cível de Campo Grande, a cargo do juiz Maurício Petrauski.
  • Inventário: 6ª Vara de Família e Sucessões de Campo Grande, com o juiz Alexandre Tsuyoshi Ito.

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Fórum Heitor Medeiros, em Campo Grande, onde correm os processos (Foto: Osvaldo Nóbrega)

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Capivara Criminal, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (1) 1j10k

  • Adriana

    Julgamento marcado para o dia 24 de abril.

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