Desembargador suspeito de vender liminar usou família para "confusão patrimonial", diz Receita

Desembargador Divoncir Scheiner Maran está sob suspeita desde que concedeu prisão domiciliar a traficante condenado a mais de cem anos, que fugiu em abril de 2020

O grupo familiar do desembargador Divoncir Schereiner Maran – formado por ele, pelos três filhos advogados e pela esposa, atuou para criar “confusão patrimonial” – com o objetivo de ocultar patrimônio do magistrado, obtido possivelmente com dinheiro de origem ilícita. Essa é a conclusão da Receita Federal, responsável junto com a Polícia Federal e o MPF (Ministério Público Federal), pela operação “Tiradentes”, realizada nesta quinta-feira (8), para cumprir busca e apreensão no gabinete de Maran no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e também em endereços ligados a envolvidos na investigação.

Divoncir Schreiner Maran. (Foto: Redes Sociais)
Divoncir Maran e a esposa, que é suspeita de promover “confusão patrimonial. (Foto: Redes Sociais)

O magistrado está sob suspeita de corrupção iva e lavagem de capitais. Em linguagem mais clara, a desconfiança é de venda de uma decisão liminar a um criminoso condenado a mais de cem anos de prisão, que foi colocado para cumprir pena em casa, com uso de tornozeleira, e acabou fugindo, em 2020, no pico da pandemia de covid-19. O fato é investigado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) há mais de três anos.

“Considerando uma possível conduta criminosa, as investigações foram ampliadas, chegando a novos suspeitos, os quais apresentaram indícios de participarem em ações na tentativa de ocultar uma eventual confusão patrimonial”.

Nota da Receita Federal

Os levantamentos feitos identificaram várias transações bancárias suspeitas, além de aquisição de bens imóveis, como forma de esconder a origem do dinheiro, por meio da “confusão patrimonial”, termo usado para quando há mistura entre o dinheiro de pessoa jurídica e pessoa física, com o objetivo de camuflar a origem.

Não foram informados valores.

Para cumprir o intento, suspeitam os investigadores, foi engendrada uma teia de relações, desenhada em um organograma, que traz 11 personagens.

Organograma do esquema envolvendo venda de liminar por Divoncir Maran
Organograma do esquema envolvendo venda de liminar por Divoncir Maran. (Foto: divulgação)


Confira quais são:

  • Gerson Palermo, que estava preso no Estabelecimento Penal de Segurança Máxima de Campo Grande, no Jardim Noroeste, até 21 de abril de 2020
  • Divoncir Scheiner Maran, desembargador do TJMS, órgão que já presidiu
  • Esposa de Divoncir
  • Advogado e filho do desembargador
  • Advogado e filho do Divoncir
  • Advogado e filho de Divoncir
  • Gabriela Moraes, assessora que trabalhava em outra unidade do Judiciário e foi convocada só para atuar no plantão em que Divoncir concedeu a liminar ao traficante
  • Desembargador que nomeou Gabriela Moraes como sua assessora em agosto de 2020. É pai de um advogado sócio dos filhos de Divoncir
  • Advogado, filho do desembargador que nomeou Gabriela e sócio no escritório de advocacia onde atuam Divoncir Junior e Vânio Maran
  • Ex-empregado do escritório de advocacia dos filhos de Divoncir, ao qual são atribuídas a realização de transações suspeitas, como laranja do esquema
  • Pessoa não identificada responsável por rees de dinheiro de origem ilícita para o grupo familiar do desembargador

Entenda

Divoncir Schreiner Maran está sob suspeita desde que concedeu prisão domiciliar, com uso de tornozeleira, ao criminoso Gerson Palermo, condenado a pena de mais de cem anos de prisão e considerado de alto risco para a sociedade. Liberado para cumprir pena em casa, em Campo Grande, no dia 22 de abril de 2020, no plantão do feriado de Tiradentes, “Pigmeu” – como é conhecido – rompeu a tornozeleira e nunca mais foi visto.

Considerado especialista em tráfico usando aeronaves, Palermo esteve envolvido em um dos crimes mais famosos, o sequestro de um avião, nos anos 2000.

Com a concessão da liminar durante um plantão, Divoncir ou então a ser alvo de apuração do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Em setembro do ano ado, foi aberto pelo Conselho um PAD (Processo istrativo Disciplinar) sobre o fato.

Vários indícios de irregularidades foram constatados, como por exemplo o fato de que os defensores de Palermo não haviam feito o pedido de liberdade ao juiz de primeiro grau, responsável pela execução penal, indo direto ao segundo grau.

Outra estranheza foi a dinâmica usada para convocar a servidora Gabriela Moraes, que não atuava no gabinete de Divoncir, embora já tivesse trabalhado com ele.

“Entre 21 de novembro de 2019 e 17 de abril de 2020 a servidora estava lotada no gabinete do Desembargador Divoncir Schreiner Maran. A partir de 18 de abril de 2020 foi lotada na 10º Vara Cível de Competência Residual de Campo Grande, foi convocada para auxiliar o Desembargador no plantão do dia 21 de abril de 2020 e, a partir de agosto de 2020, ou a exercer a função de Assessora de Desembargador, no gabinete do desemgargador”.

Acórdão do CNJ sobre denúncia contra desembargador

O CNJ fez uma inspeção no gabinete de Divoncir e visitou também as dependências de trabalho de Marcos José de Brito.

“Não foi possível obter maiores esclarecimentos sobre a convocação e atuação da servidora Gabriela Soares Moraes no plantão do dia 21 de abril de 2020, pois, na data da inspeção, a servidora estava usufruindo de período de férias”, descreve relatório da inspeção.

Não há informações ainda de que o segundo desembargador citado esteja sob suspeita de irregularidades, apesar de aparecer no organograma montado.

O processo no CNJ quanto a Divoncir Schreiner Maran ainda está em andamento, com audiência de instrução prevista para o mês de abril. A punição máxima é a aposentadoria compulsória. Porém, pode nem dar tempo para isso, já que o desembargador está prestes a se aposentar, em abril, quando faz 75 anos.

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O Primeira Página tentou contato com os citados nesta reportagem e ninguém foi localizado. No escritório de advocacia dos filhos de Divoncir, uma funcionária atendeu e disse que não havia ninguém lá, nem autorização para ar contato.

O advogado André Borges, se manifestou em defesa do cliente.

“Decisão noticiada, especialmente o afastamento do cargo, foi desnecessária; Divoncir Maran nunca se negou a prestar qualquer esclarecimento às autoridades em geral; como ocorreu no âmbito do CNJ, que não lhe afastou da função; está seguro de que não atuou de maneira incorreta; irá se defender regularmente, aguardando que façam a ele o que sempre garantiu a todos enquanto magistrado, do que se orgulha: atuação imparcial e com justiça”.

André Borges, advogado

Foi procurado ainda o gabinete do outro desembargador citado no organograma, mas a informação é de que não poderia ser fornecido contato, nem ser dado recado a ele sobre o interesse da reportagem em ouvi-lo.

O TJMS informou que não vai se manifestar sobre o assunto.

A operação Tiradentes

Foram expedidos pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), foro onde tramitam processos contra desembargadores, nove mandados de busca e apreensão, em endereços de Campo Grande e Bonito.

Participam da operação nove auditores-fiscais e analistas tributários da Receita Federal e 46 policiais federais.

O STJ determinou o afastamento do desembargador investigado das funções. Ele não pode nem manter contato com funcionários. O nome da operação tem relação com a data em que a decisão sob suspeita foi concedida, no feriado de Tiradentes.

Policial Federal no TJMS
Policial Federal no corredor dos gabinetes dos desembargadores do TJMS. (Foto: Divulgação)

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