Capivara Criminal 232h40

A letra bonita versus o crime bárbaro 1g676u

Réu por feminicídio de jovem de 18 anos, motivado por vingança, usou petição manuscrita para tentar a liberdade em Campo Grande 6c6q5z

Escarafunchando ações penais, como costuma ser o nascedouro dos acontecimentos narrados aqui, a Capivara Criminal deparou com algo raro nos dias contemporâneos: uma petição manuscrita, de 15 páginas.

Primeiro, a letra caprichada chamou atenção. Depois, o conteúdo. É um pedido por libertação da cadeia, alegando acusação infundada.

Petição manuscrita
Trechos de petição escrita à mão pedindo liberdade (Foto: reprodução de processo)

Quem assina é um homem preso desde outubro do ano ado. Depois de outras tentativas frustradas de conseguir sair da prisão, em primeiro e segundo graus, a estratégia foi apelar ao texto escrito em primeira pessoa, com caneta azul, para tentar convencer os desembargadores do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) a deixá-lo esperar o julgamento solto, ou pelo menos monitorado por tornozeleira.

Insiste em ser inocente.

“Veio a me acusar injustamente, perjuriosamente e caluniosamente, em suposições e em deduções equivocadas e contraditórias.”

Trecho de petição

“Não sou o autor de mencionado fato criminal, mais (sic) de ter participação indiretamente, ao mencionado fato criminal, vindo a trazer total inconformismo, não concordância, como constrangimento ilegal em meu favor.”

Trecho de petição

“Desta forma, toda pessoa, todo ser humano acusado de qualquer fato delituoso, ou ato delituoso, tem o direito de ser presumido inocênte (sic). Até que a sua culpabilidade tenha sido provada, de acordo com os ordenamentos da lei”.

Trecho de petição

Deixo aqui sinceros votos de agradecimento e respeito nestes termos. Peço e aguardo deferimento.”

Trecho de petição

As declarações lidas por você fazem parte do documento, uma mistura de letra cursiva e de forma. As palavras citando acusação injusta e sem provas aparecem inúmeras vezes na quinzena de laudas.

Textos legais – tais como o Código de Processo Pena, a Constituição Federal e o Pacote Anti-Crime – são lembrados, para postular a soltura do investigado.

Com o objetivo de se livrar, o suspeito aponta outro homem como o verdadeiro autor do crime, citando-o pelo apelido.

Ao final, usa tom formal e respeitoso em direção aos magistrados, como visto acima.

Lida a carta-petição pela Capivara Criminal, obviamente veio a curiosidade de compreender quem é o detento e qual crime o levou para o Presídio de Trânsito em Campo Grande, onde cumpre a prisão preventiva e de onde pretende ser liberado.

 Vamos lá, entender juntos!

A pessoa falando aos desembargadores na petição manuscrita é Anderson de Oliveira Sarmento, 42 anos. Embora representado por um defensor público, nesse novo pedido para sustar a ordem de prisão, tudo é escrito à mão, como se fosse o réu o escritor.

Não é possível confirmar se a letra é mesmo do preso, pois parece diferente da .

Maconha
Anderson Sarmento durante depoimento (Foto: Reprodução de processo)

“Maconha” é seu vulgo, na linguagem informal das ruas. O delito atribuído a ele carrega crueldade e gravidade em sentido totalmente oposto aos termos educados dedicados às autoridades.

Sua prisão preventiva foi cumprida em 20 de outubro do ano ado, como coautor do feminicídio de Gabriela Oliveira Belantani, assassinada aos 18 anos, no bairro Jardim Botânico, em Campo Grande.

Dois crimes em poucas horas 6w4s68

Conta o inquérito da Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher) que no dia 10 de outubro de 2023, terça-feira, por volta das 19h30, “Maconha” pilotou uma motocicleta preta, carregando na garupa “LK”, alcunha de Lucas Henrique Souza dos Anjos, 32 anos.

Ao encontrar Gabriela, dentro de um automóvel, “LK” disparou seis vezes a arma de fogo em punho. Feriu de forma fatal a moça.

No exame pericial, foram detectados ferimentos no ombro, no pescoço, no rosto e no joelho. O corpo tinha sinais de agressões.

Testemunha do assassinato, o motorista do veículo tentou levar a jovem baleada para receber socorro médico. Não deu tempo. Gabi já estava sem vida.

Restaram evidências da violência no veículo, um Fiat Uno.

Quando desvendada pela polícia a motivação da dupla para atentar contra Gabriela, fica escrachado o paradoxo entre a petição de letra bonita e a razão da prisão de Anderson, ou “Maconha”.

“Consta, outrossim, que o motivo dos disparos teria sido por vingança, já que Gabriela teria contado às companheiras dos autores que ela mantinha um relacionamento amoroso com eles. Consta, também, que, na mesma data, durante o período da manhã, Anderson e Lucas teriam agredido fisicamente Gabriela”.

Conteúdo da peça acusatória

Repetindo: primeiro os dois homens espancaram a jovem como vingança por ter delatado supostas traições às companheiras. Mais tarde, depois de proferir ameaças, voltaram para dar fim à vida dela, agora incomodados diante do fato de a vítima ter acionado a PM (Polícia Militar) depois das agressões.

Prints com tom ameaçador foram encontrados no celular da vítima.

“Por fim, consta que os suspeitos Anderson e Lucas são contumazes na prática delitiva e teriam fugido da cidade com o intuito de evitar a aplicação da lei penal.”

Trecho de decisão judicial

Na hora da chegada dos policiais militares no momento das agressões, pela manhã, os dois fugiram pulando muros. Além de escapar de um flagrante, já tinham dívidas com a justiça.

Gabriela morreu em uma rua escura, sem asfalto, pouco movimentada. O logradouro é conhecido por ser ponto de encontro de dependentes químicos e de traficantes vendendo o produto ilegal procurado por eles.

A cena foi vista por diversas pessoas, narram as peças policiais. Mas quem não fugiu, com receio de ser preso, optou pelo silêncio, em regra geral.

“Em entrevistas com vizinhos dos locais do ocorrido todos se negam a se identificar para ser testemunhas devido ao local ser uma favela controlada pelo tráfico de drogas, mas relatam de forma anônima enfaticamente que o responsável pelo crime é vulgo “Maconha”, que foi identificado como Anderson de Oliveira Sarmento, F:  ————-, traficante e chefe da quadrilha que domina a região, mas que o atirador seria o vulgo “LK”, Lucas Henrique, que aparece nas imagens logo após o crime com a arma de fogo na mão.”

Trecho de inquérito policiaal
Câmera flagrou suspeito logo após o crime (reprodução de processo)

Anderson de Oliveira Sarmento já era procurado por uma tentativa de uma tentativa de homicídio dias antes na região “por motivos de drogas”, segundo a definição dada por policiais militares.

Já foi condenado pela prática de crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico de drogas, homicídio doloso, associação criminosa e roubo majorado

Peça acusatória

Lucas itiu, ao ser capturado, que estava de “quebra”, ou seja, foragido do sistema prisional.

Quando ouvidos na Deam, os dois homens indicados como autores do feminicídio negaram o crime, com versões que desafiaram as provas já coletadas.

Anderson Sarmento culpou o namorado da jovem assassinada, com quem ela de fato tinha uma relação conturbada. Ele chegou a ser preso provisoriamente, e foi solto, diante da evolução das investigações.

Andamento do caso 2o2j69

O pedido de liberdade escrito à mão não comoveu os desembargadores da 3ª Vara Criminal, responsável pelo julgamento.

“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam em sessão permanente e virtual, os magistrados da 3 Câmara Criminal do TJMS, na conformidade da ata de julgamentos, a seguinte decisão, por unanimidade, denegaram a ordem”, sentenciaram os desembargadores.

Essa decisão é do dia 27 de maio de 2024. Dois dias depois, em 29 de maio, o juiz Aluízio Pereira dos Santos, titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri, expediu a sentença mandando “Maconha” e “LK” a júri popular pela morte de Gabriela Oliveira Belantani. A acusação é de homicídio qualificado pelo feminicídio.

A partir de agora, as partes são chamadas a apresentar suas alegações finais e depois o julgamento é marcado. Não há previsão para a data.

Vidas perdidas cedo demais 4l1w44

Aqui, cabe um registro de lamento sobre o contexto no qual a moça foi levada a um mundo de violência, cujo desfecho foi sua morte precoce e violenta.

No decorrer dos trabalhos da Deam, o pai de Gabi contou aos policiais uma história cada vez mais comum entre meninos e meninas das rebarbas da cidade.

Nas memórias relatadas pelo genitor, Gabriela começou a consumir drogas antes mesmo dos 16 anos. ou a ficar dias longe de casa, e depois ou morar nas ruas.

Até o dia em que, pelas mãos de homens com quem dizia ter se relacionado de forma íntima, teve a existência encurtada.

“Toma aqui, Gabi, o que você queria.”

Trecho de inquérito

Essas foram as últimas palavras ouvidas por ela, descreve o inquérito a partir da voz das testemunhas oculares.

Gabi
Gabriela foi assassinada aos 18 anos (Foto: reprodução de processo)

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Capivara Criminal, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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