Lei de Cotas: indígenas não são nem 10% dos diplomados em MS 226a2i
Série especial mostra dados inéditos sobre o o e permanência de pessoas indígenas nas universidades entre 2012 e 2022 2k4c2q
Sancionada em agosto de 2012 no governo Dilma Rousseff, a Lei 12.711, popularmente conhecida como Lei de Cotas, completou 10 anos em 2022, e embora as pesquisas nacionais apontem para o aumento da inclusão de estudantes pretos, pardos, indígenas, com deficiência e de baixa renda nas universidades, em Mato Grosso do Sul o programa resvala na dificuldade de permanência e conclusão do curso superior.

Após tramitar por 13 anos no Congresso Nacional, a redação foi aprovada determinando que as universidades federais reservem 50% das vagas para alunos que tenham realizado todo o Ensino Médio em escolas públicas. A partir desse primeiro recorte de renda as cotas são destinadas, ainda, por categorias a pessoas pretas, indígenas e pessoas com deficiência.
Conforme o texto, ao completar uma década de implantação o programa aria por uma revisão, que ainda não aconteceu, mas marcou intensos debates, palestras, encontros e discussões no país ao longo deste ano.
Instituída para todos os cursos oferecidos pelas universidades federais, a Lei de Cotas foi elaborada com a missão de corrigir desigualdades que impedem grupos sociais historicamente discriminados de ar o ensino superior no Brasil.
Tal finalidade tem sido alcançada, como apresenta a pesquisa elaborada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, para a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), que mostra uma quantidade superior de estudantes atendidos por cotas nas instituições federais em 2020, de 53%, se comparado a 2010, que registrou 42%.
O aumento da inclusão também é evidenciado no relatório do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, órgão vinculado ao Ministério da Economia, publicado em agosto de 2022, que destaca a ausência de impactos negativos no desempenho dos beneficiados pelas cotas. O documento comprova que o percentual de ingressantes de baixa renda nas instituições públicas de ensino superior subiu de 50%, em 2011, para 70% em 2019.
Apesar dos avanços, é consenso entre especialistas que o programa ainda não alcançou os resultados almejados.
Em Mato Grosso do Sul há três instituições de ensino superior federais (UFMS, UFGD e IFMS) e uma estadual (UEMS). Todas oferecem política de cotas para pessoas pretas, pardas, indígenas e com deficiência, que tenham estudado em escolas públicas.

A pauta desta série especial foi selecionada pelo 4° Edital de Jornalismo de educação, da Jeduca (Associação Brasileira de Jornalistas da Educação), em parceria com o Itaú Social, e divulgada com exclusividade aqui no portal Primeira Página, se debruça especificamente no ingresso e permanência dos povos indígenas devido à relevância de MS concentrar a terceira maior população indígena do Brasil, pouco mais de 80 mil pessoas de acordo com IBGE, representadas em oito etnias: Terena, Guarani, Kaiowá, Guato, Kadwéu, Kinikinaw, Atikun e Ofaié.A proposta é contribuir com o fortalecimento da política de cotas e as alterações necessárias para a garantia do o democrático à universidade, na oportunidade da revisão dos dez anos.
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A expressiva atuação da Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) junto à academia, pesquisadores e movimentos sociais – frente às discussões e articulações sobre o o de pessoas pretas, pardas e indígenas ao ensino superior – fez do estado de MS um dos pioneiros na implantação de um programa de cotas étnico-raciais.
Após amplas discussões, críticas e campanhas de esclarecimentos à comunidade acadêmica e sociedade civil, foi aprovada e sancionada a Lei nº. 2.589, de 26 de dezembro de 2002, que determinou a reserva de vagas aos vestibulandos indígenas da UEMS. Posteriormente, o percentual para esse público ficou definido em 10% das vagas, por meio da Lei no.2.605, de 06/01/2003.
O mesmo período marca, ainda, a sanção da lei estadual que dispôs a reserva de vagas para pretos e pardos com percentual de 20% de vagas. Assim, o primeiro vestibular realizado com políticas afirmativas da UEMS é datado de dezembro de 2003 para ingresso em 2004.
Em um país que só veio a ter uma Lei de Cotas em âmbito federal 10 anos depois, a UEMS se destaca por ser a primeira universidade do Brasil a reservar 10% das vagas de todos os cursos para indígenas, a segunda a designar 20% das vagas para negros e a terceira universidade a adotar o sistema de reserva de vagas para negros (pretos/pardos) e indígenas que realizaram integralmente o Ensino Médio em Escola Pública, a partir de 2021.
A Lei de Cotas (nº 12.711/2012) não se aplica às universidades estaduais, ou seja, a UEMS não tem a obrigatoriedade de atendê-la, contudo, o período dos dez anos é também utilizado para essa produção especial por considerar o impacto do programa nacional sobre as instituições de ensino que também já possuíam legislações próprias.
Ao avaliarmos hoje os 20 anos de atuação da UEMS e dez anos da Lei de Cotas, questões como as dificuldades enfrentadas por pessoas indígenas em relação à permanência na graduação estão entre as que mais merecem mais atenção.
Dados obtidos com exclusividade, via Lei de o à Informação), mostram uma evolução no ingresso da população indígena aos cursos da instituição desde os anos que antecederam a Lei Federal de Cotas. Mesmo assim, entre 2012 e 2022 somente 6,5% dos indígenas matriculados alcançaram o diploma. Em outras palavras, das 3.411 pessoas indígenas ingressantes, apenas 222 conseguiram se formar.
Procurada para comentar as informações divulgadas nessa produção, a universidade não respondeu até o momento da publicação.
UFMS 1c3n15


Conforme publicação de 2019, da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as), no ano em que a Lei de Cotas foi instituída, 2012, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul era a única federal do Centro-Oeste a não oferecer nenhum programa de reserva de vagas.
Mesmo com as reivindicações da comunidade acadêmica e pressão dos movimentos sociais pela implantação de cotas, desde o início dos anos 2000, a instituição só ou a reservar vagas para públicos historicamente marginalizados a partir da legislação de 2012. E apesar da Política de Ação Afirmativa ter começado a ser executada em 2013, somente em 2020 que ela foi oficialmente regulamentada. De acordo com o levantamento realizado pelo Jeduca, no período de 2012 a 2022 somente 8,4% dos indígenas que ingressaram na UFMS por meio da Lei de Cotas finalizaram a graduação. Dos 791 estudantes indígenas, apenas 67 concluíram a formação e outros 174 desistiram do curso.
A produção dessa série especial entrou em contato com a UFMS para repercutir esses dados e saber da existência da implantação de projetos e iniciativas voltadas à permanência de pessoas indígenas nos cursos superiores, mas não teve retorno.
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Criada em 2005 a partir do desmembramento da UFMS, a UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) começou a ofertar cotas sociais em 2009 a partir de um sistema de ações afirmativas autônomo, que carimbava 25% do total de vagas a estudantes de escolas públicas.
Registros públicos divulgados pela instituição pontuam que o programa funcionou até 2012 e foi responsável pela entrada de mais de mil pessoas da rede pública no ensino superior da universidade.
Com a implementação da Lei de Cotas no processo seletivo de 2013, a UFGD ou a disponibilizar, gradativamente, a reserva de vagas também para negros, indígenas e pessoas com deficiência, que ingressaram nos cursos superiores tanto pelos vestibulares quanto pelo SiSU (Sistema de Seleção Unificada). Além da Lei Federal, desde 2020 a universidade destina uma vaga por curso de graduação para candidatos indígenas.
Dentre as quatro instituições de ensino superior avaliadas, a UFGD é a que registra maior quantidade de acadêmicos indígenas diplomados pela Lei de Cotas: 17,7%. Dos 1.044 indígenas ingressantes em dez anos, sendo 692 acadêmicos pela lei federal e mais 352 no curso de Licenciatura Indígena também oferecido pela universidade, 185 concluíram a graduação e 303 desistiram.
A UFGD informou, em resposta à série especial, que, dentre as propostas de incentivo ao o e permanência de pessoas indígenas nos cursos oferecidos, está a implementação, realizada no segundo semestre deste ano, do Programa Auxílio Emergencial para Estudantes em Curso de Alternância, que possui em sua maioria alunos indígenas; e a previsão de, até 2024, apresentar uma sugestão para construção da “Casa de Alternância”, voltada à hospedagem de estudantes indígenas e suas famílias. “Entende-se que a construção desse espaço servirá para evitar a evasão e garantir a diplomação dos estudantes indígenas, bem como, possibilitar a abertura de outros cursos voltados especificamente para essas populações”, destaca a nota encaminhada.

IFMS 66z2i
Por fim, o IFMS (Instituto Federal de MS), criado em 2008, executa o sistema de cotas da Lei Federal para ingresso em cursos de níveis médio e superior. Oferece ainda como ação afirmativa local, um bônus de 20% sobre as notas do Enem nos processos seletivos para ingresso em cursos de graduação.
Para o estudante ser contemplado precisa realizar as provas na ampla concorrência e “ser residente e domiciliado na área de abrangência do campus onde concorre à vaga”.
Das 236 pessoas matriculadas nos cursos técnico ou superior entre 2012 e 2022, apenas 12 chegaram até o fim da graduação, ou seja, 5%. Outras 94 possuem o registro de evadidas, desligadas ou que trancaram a faculdade.
Em resposta aos números, a instituição explica que existe um trabalho de mapeamento das causas que conduzem à evasão e retenção de todas as pessoas universitárias, iniciado em 2015, que “tem sido monitorado e reavaliado, o que fez com que o IFMS elaborasse dois planos, estando no seu segundo Planejamento Estratégico, com vigência de 2020-2023”.
A partir de amanhã a série especial traz histórias de jovens indígenas que estão no ensino superior em MS e lutam pelo diploma universitário.