Artista cuiabano Babu 78 de mudança à ‘terra da garoa’ carrega mala de lembranças 2o2v21
Obras do artista plástico cuiabano foram mapeadas em um atlas da Universidade Federal do Mato Grosso 2h5y5r
Cuiabano de tchapa e cruz, o artista plástico, Babu 78, agora vai morar em São Paulo. Ele fez o anúncio da mudança, ao receber no último mês o prêmio Jejé de Oya, na categoria das artes plásticas. A premiação reconheceu a vida, obra e trabalho de personalidades negras de Mato Grosso.

Em seu discurso, Babu emocionou, mas também mandou um recado repleto de personalidade. “Eu tô muito orgulhoso de ver isso aqui cheio, hoje à noite, pra ver um monte de gente preta e talentosa recebendo prêmio”, discursou.
Em entrevista ao Primeira Página, ele destacou a singularidade da premiação que sela a despedida do cuiabano. “É o primeiro prêmio que eu ganho na condição de representação negra. Tem a condição de ser na minha cidade e tem isso de eu estar saindo daqui. É no finalzinho, sabe? Então é um baita reconhecimento, vendo que as pessoas curtem o meu trabalho aqui”.
Agora Babu ou Adão Silva Segundo, como consta no registro de nascimento, grafiteiro e pintor cuiabano, levará sua arte para outras terras. Em São Paulo ficará com os trabalhos a venda em duas galerias de arte contemporânea. Fechará um contrato de exclusividade com “A Sétima” e com uma galeria parceira “Alma da Rua”, ambas no Beco do Batman.
Ele também está com parcerias com uma operadora de telefonia móvel para a realização de um festival de arte urbana, além de projetos paralelos que já estão pintando na agenda do artista.
“Eu quero estudar e me dedicar por horas ao dia. Eu tô indo pra São Paulo para viver um sonho, mas com o tempo eu descobri que o sonho do artista tem esses custos. São custos de disciplina. Então eu tô indo buscar. Aqui eu tô cheio de vícios antigos e de coisas velhas que preciso deixar de fazer. Mas o que tá me levando, é algo comigo, mesmo”, contou.
Depois de mais de 30 anos vivendo de arte, ele sonha em ir ainda mais além. “Eu quero participar de grandes festivais, quero vender quadros em grandes galerias”.
Sentido A d6e4y
Babu é “personalidade”, mas não esconde as origens. Pelo contrário, faz questão de contar a todos que é do A, onde cresceu, ou boa parte da adolescência e para onde voltou depois de alguns anos fora.
Até o dia oito deste mês, morava em uma casa de cor azul royal, que herdou da mãe. É claro que algumas paredes já deixavam notas – do lado de fora – de que aquela não era a casa de uma pessoa qualquer. Ali tem arte por toda parte. São grafites em cores vibrantes, mas que mesmo com a característica urbana, não deixaram de ar aquele aspecto de lar.
Lá dentro, as paredes amarelas combinam com os girassóis que ele fez questão de deixar postos à mesa. Na janela, um cristal que, quando bate a luz do sol, ilumina todo o espaço. É ali que Babu recebe os amigos, mas é também onde cria boa parte da sua obra. Em todo canto da casa, havia um pedacinho desse trabalho: colorido, rico das mais variadas referências e ácido, na medida certa, para a crítica social.
Tudo ali tem uma razão de ser. Até o cachorro gentil, que recebe esta jornalista à porta, leva o nome de PIPA, uma referência à premiação mais importante já conquistada pelo grafiteiro. Em 2018, Babu 78 levou o segundo lugar na votação on-line do prêmio Pipa, considerado uma janela da arte contemporânea brasileira.

Babu acredita que a diferença do seu trabalho está na forma como percebe o mundo. “Eu poderia me considerar um pintor botânico por causa da ligação profunda com a minha mãe, mas o que eu faço é algo pessoal e que precisa de elementos fortes”, conta complementando que a inspiração para o trabalho está em tudo. “Não quero que Babu 78 seja lembrado por uma marca, uma fruta, as plantas …. O que eu quero com a minha pintura é uma identidade. Então para buscar uma inspiração eu percebo tudo. Pessoas, lugares, coisas, cheiros”.




Uma mala de lembranças 251r57
E são essas percepções do mundo que o Babu guarda na mala que ele carinhosamente apelidou de “mala de lembranças”. Ali tem de tudo. Desde cartazes de exposições e oficinas que ele fez e participou, primeira tatuagem, cheques de premiações, e até mesmo os dentes e cordões umbilicais das duas filhas do artista; “Essas coisas me fazem lembrar de quem eu sou. Não sei se me inspiram para frente, mas me confortam para trás. Eu não vou tirar uma grande ideia daqui, mas me faz lembrar das que eu já tive”, contou.
Urbanidades: Grafites catalogados por toda Cuiabá 152t38
Babu começou a se descobrir como artista, ainda na adolescência. Com uma veia punk anarquista, ainda na década de 90, chegou a pichar paredes, assinando como Babu por toda capital mato-grossense. Foi só anos mais tarde que começou a estudar e levar a brincadeira a um outro nível. Agregou elementos da cultura negra, e foi trazendo referências da rua, da cena urbana, do rap e do skate.
Hoje, o trabalho de quem nem concluiu o ensino médio é referência para quem está na universidade. Babu ministra cursos, palestras e recentemente teve o trabalho catalogado pelas pesquisadoras Maria Regiane da Silva Lopes Barrozo, em uma tese de doutorado – em finalização – do curso em estudos da cultura contemporânea da Universidade Federal do estado de Mato Grosso (UFMT), em parceria com a fotografa e professora de fotografia Célia Soares.

O trabalho leva o nome de “Atlas do Grafite em Cuiabá: História, Emoção e Arte Visual em Movimento” que reúne o mapeamento de obras de Babu e outros 19 artistas da capital e Chapada dos Guimarães. O Atlas mostrou que a região do A, de onde vem Babu 78, é a região em que mais foram feitas intervenções artísticas com o grafite.
“O atlas acabou se tornando uma produção independente, para além da tese. A pesquisa é uma produção que se refere à imagem na cultura contemporânea e aí eu cheguei até o grafite e o estudo foi desenvolvendo e crescendo e eu encontrei várias histórias de artistas”, conta a discente Maria.
E são essas histórias que a Célia fotografou e catalogou no atlas, nos mais diferentes pontos de Cuiabá. “Foi muito interessante porque quando você a a fotografar o grafite e qualquer outra intervenção artística, você nota que cada pincelada ali carrega um contexto de vida do artista diferente e ele transfere isso para arte”, comentou. “A gente a a ver a cidade de uma forma diferente, observando os lugares com um outro olhar e também nota pontos que não tem intervenção alguma”, finalizou.