Solitude é aprender a fazer café para um 2z416o

Parece impossível acertar a medida. Café não foi feito para ser apreciado sozinho. Uma vida inteira fazendo café para tantas gentes, num ritual de literal compartilhamento de energia, de repente se torna um solitário exercício de evitar o desperdício.

Fazer café para um obriga a gente a engolir a solidão de um jeito muito cru, encarando sua própria companhia como único apreciador do que faz de bom. Só você está ali acordando naquele lar, só você curte o cheiro que inunda a casa. O tédio não é uma opção, a fuga muito menos. Seu torvelinho de pensamentos, sua ansiedade matinal, seus medos jamais mencionados, suas culpas, suas desculpas e sua gastrite são visitas indigestas que se convidam para o café. O SEU café.

O silêncio que preenche o momento do café solo é maciço, cheio de significados. Num segundo a gente entende o ancestral medo que a humanidade sente da solidão. Ela realmente não é uma companhia leve, mas com o tempo, torna-se uma grande amiga. Irônico, não? Que a solidão seja uma companhia aguardada para o café?

A solitude sempre parece um lugar árido, um deserto em que não se ouve mais nada além da própria voz. Nos ensinaram a temer esse lugar, e só quem já teve a coragem de cruzar a fronteira sabe o quanto é bom. Ficar confortável apenas consigo mesmo é mais difícil que socializar. Ouvir apenas seus pensamentos, confrontar seus medos, se conhecer, se entender e se aceitar. No fundo você morre de medo disso, só nunca se deu conta.

Em um mundo em que as mulheres são educadas para cuidar dos outros, é revolucionário cuidar apenas de si.

Minha hora favorita do dia é o momento de fazer café. Gosto dele 70% fraco e 30% doce, uma combinação que não costuma agradar a maior parte dos paladares. Lembro de uma vez ouvir da pessoa com quem dividia o teto (e a vida) que meu café era fraco, feito para criança. Não lembro dele todos os dias, mas agradeço diariamente o prazer de tomar uma imensa caneca do meu delicioso café fraco sem ouvir reclamação de seu ninguém.

A solitude é a Ibiza da mulher que detestou o casamento. Se você nunca viveu maritalmente com alguém, permita-me explicar a analogia: ensinaram para todas nós que o viver só é como uma ilha deserta, você vai chegar lá e ar o resto da vida isolada, esquecida e infeliz. Quando você realmente vive isso, descobre que a ilha na verdade é um paraíso perdido, onde você é livre para escolher como quer viver. Você poderá andar como quiser, fazer o que quiser, se vestir ou não se vestir, cozinhar ou não cozinhar, limpar ou não limpar, namorar, ficar, dar um tempo de gente, assistir uma série por 2 dias sem parar, ou gastar um dinheiro indecente em produtos de autocuidado e quinquilharias chinesas sem jamais ser julgada. É você que manda em tudo.

É um morango? Não, não é. A solitude é um café forte e amargo, que desce pela garganta arrepiando a espinha. Caminhar pela vida levando apenas sua bagagem de mão é não ter raízes em outras pessoas, apenas em você. Isso na real é bem menos poético do que parece. No fundo, você precisa escolher a qual inferno será capaz de se adaptar. Menos drama e mais paz.

Solitude é amar o café coado direto na xícara, sem sentir falta do ritual do bule. Café para um te ensina a não ser superlativo com sua própria paixão para evitar excesso de trabalho – e de louça. Fazer café para um te ensina a ser minimalista até com o que ama demais.

O café para um não é solitário. É apenas suficiente.

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