Jaqueline Naujorks

Mãe da mãe: quando os papéis se invertem

Uma missão para corações corajosos

Hoje quero falar com você que vive a maternidade de um jeito diferente. Uma jornada que permite ao mesmo tempo, retribuir o cuidado e encaixar sentimentos que a gente julgava sem lugar. Hoje quero abraçar você que descobriu o poder do tempo de inverter os papéis: você, que tem o privilégio de ser mãe da sua mãe.

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Mãe da mãe: quando os papéis se invertem. Foto: arquivo pessoal

Lembro como se fosse hoje da minha mãe dando banho na minha avó quando ela adoeceu na velhice. Vovó era diabética, tinha muita dor, e mal conseguia ficar em pé. Minha mãe, entendendo a vergonha dela em precisar de ajuda para se lavar, botou todo mundo para fora e fechou a porta do banheiro. Do lado de fora, eu ouvi ela dizer: “pronto mãe, só estou eu aqui, a senhora confia em mim, né? Eu vou só ajudar e a senhora toma banho, pode ser?” como se estivesse falando com uma criança. Ali eu entendi quão poderosa é a inversão desses papéis, e quanto amor existe em poder retribuir o simples gesto de dar um banho na pessoa mais preciosa da sua vida.

Hoje, eu sou mãe da minha mãe e tenho a missão de retribuir os dois cuidados, o que ela teve comigo e o que ela teve com a própria mãe. Existe uma carga ancestral gigantesca nas mãos das mulheres que cuidam das mulheres da sua família. É assim que temos ado todas as dores através das existências.

Foi no simples gesto de me levantar e dar o braço para minha mãe se apoiar, que nasceu o texto mais bonito que já escrevi. Minha mãe tem artrose severa e uma séria deficiência motora, só caminha de andador ou bengala, e para se levantar ela precisa de ajuda há 20 anos. É um gesto automático, me levantar e dar o braço para ela, e depois sair andando devagar, respeitando seu o. Ela anda no ritmo que a dor permite, e meu braço é o que sustenta seu caminhar lento e de inhos curtos, como os de uma criança.

Minha mãe ainda tem alguma independência, que para ela é sinônimo de dignidade. A casa dela é adaptada, ela cozinha, lava louça, vai na aula de pintura, toma banho, mas não sai de casa quando chove para não correr o risco de cair. Apesar de ser diabética e ter um sério problema com lactose, ela me pede para mandar sua pizza favorita todo sábado como uma criança pede à mãe para jantar fora. Come doce escondido, como uma criança que ignora a dor de barriga. Quando quer alguma coisa, faz beicinho e mil rodeios. E teima, meu Deus como teima. Mas se eu brigar, vejo nos olhinhos verdes marejados uma menina que só quer ser atendida nas suas coisinhas.

No meu coração, fazer tudo pela minha mãe é uma maneira de retribuir, de bom grado, todo o sacrifício que hoje entendo que a maternidade exige de uma mulher. E não falo apenas do cuidado: falo das renúncias. Minha mãe renunciou a muita coisa por nós. Renunciou à própria vida amorosa depois da separação para proteger suas 3 meninas, renunciou a um futuro diferente para não abandonar, renunciou ao estudo porque não tinha com quem deixar, renunciou aos próprios sonhos porque a responsabilidade dela era criar 3 mulheres fortes para o mundo. Quantas vezes a vi exausta, sem alento, virando noites com as filhas doentes. Eu sei que você, que também é mãe solo, sabe do que estou falando.

Há quem diga que as escolhas dela não são uma carga que eu deva carregar hoje, e de fato não são. Eu escolhi retribuir. Hoje sustento minha mãe com a melhor vida que posso dar a ela, e não vejo nisso uma dívida, vejo a oportunidade de também aceitar minha missão de cuidar com a cabeça erguida, como ela fez.

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Mãe da mãe quando os papéis se invertem. Foto: reprodução

Foi pensando nisso, na missão de ser mãe da mãe, que criamos a campanha de Dia das Mães da Rede Mato-grossense de Comunicação. No vídeo temos 3 gerações de amor: dona Benedita é mãe da Fabiana, que é mãe da Rafaela. O olhar delas é genuíno, o choro é real. E no final do vídeo, você vai reconhecer o gesto. Quando Fabiana levanta e oferece o braço dizendo “Vem, mãe…” é a hora que começo a chorar. Eu também estou ali.

Amor de mãe é para sempre, e amor de filho também. Ultraa as fronteiras do tempo e do plano físico, do qual muitas mães já foram embora. Para quem não tem mais a oportunidade de abraçar, o amor acalenta os momentos de saudade e aquele laço infinito se ilumina outra vez. De onde estiverem, mãe e filho estarão para sempre envolvidos no mais sublime dos abraços.

Para quem ainda tem a chance de cuidar, que não deixe ar a oportunidade de fazer tudo. Um dia todos vamos embora, o maior tesouro da vida é olhar para o ado sem qualquer remorso. Ofereça o que você tem de melhor e a sua colheita não será diferente: minha mãe respeitando a dignidade da vovó com a privacidade de um banho, me ensinou que a sensibilidade também é um cuidado, e é assim que cuido dela hoje.

Que neste dia das mães você seja tocado pela magnitude do Amor Para Sempre, e ele aqueça seu coração. Nessa vida, a gratidão é a maior herança. Que você possa beber dessa fonte até o último minuto e um dia, seu cuidado também seja retribuído com amor.

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Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (2)

  • Sarah

    Eu tb me tornei mãe de mãe, sei exatamente qual a sensação, esse texto veio de encontro com algo que eu sinto mas não tinha dado um nome até então, obrigada por compartilhar sua história, foi muito interessante.

  • Nelma

    Obrigada Jaqueline!! Me emocionei muito. Linda reflexão!!

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