Dono de bicicletaria no Araés há 26 anos viu bairro nascer 3jy25
Bicicletaria foi aberta por João Epifânio dos Santos em 1996, para o pai, que estava com problemas de saúde, transformar o hobby em profissão 193ib
Em uma pasta antiga junto com outros papéis já amarelados pelo tempo, João Epifânio dos Santos, de 54 anos, ainda guarda os dois recibos das primeiras peças que comprou quando decidiu abrir uma bicicletaria para o pai, em 1996, no bairro Araés, em Cuiabá.
Da casa onde se mudou aos cinco anos no mesmo bairro em que montaria a bicicletaria do pai mais tarde, João viu o surgimento dos primeiros prédios e construções.
Ele ainda se lembra de quando a avenida Marechal Deodoro, hoje movimentada e com dezenas de empreendimentos, sequer tinha asfalto.

“São 50 anos de história, lembro da rua da bicicletaria sem asfalto, se você me perguntar, sei até onde é argila e onde começa o cascalho”, brinca João.
“Essas casas não existiam, trabalhei na fundação desses imóveis. Aqui não tinha nada, era tudo mato mesmo, vi o bairro surgir”, continua o bicicleteiro.
O clima de viagem ao ado criado pelas dezenas de bicicletas que aguardam restauração e ferramentas antigas por todos os lados é reforçado pela músicas dos anos 80 que tocam na rádio Centro América FM.
Com a trilha sonora de fundo, João conta a história da bicicletaria que há 26 anos representa o sustento da família.
Bicletaria montada para o pai 363t41
A iração e o afeto ficam nítidos quando João fala do pai, que morreu aos 73 anos na bicicletaria montada pelo filho, em 2000. Junto dos recibos da primeira compra que fez para o estabelecimento, em 1996, o bicicleteiro mostra com orgulho o certificado de reservista de Martiniano Epifânio dos Santos.
“Ele tinha 73 anos, mas era muito forte, quem via não falava que tinha essa idade. Como ele foi criado em região rural, contraiu a Doença de Chagas, que foi se manifestar quando ele tinha 62 anos”.
João seguiu os os do pai no Exército e quando deixou o serviço militar, ou a trabalhar como caixa em um posto de combustíveis na avenida Marechal Deodoro, perto do imóvel onde funciona a bicicletaria.

Quando Martiniano recebeu o diagnóstico de que estava problemas cardíacos causados pela Doença de Chagas, João decidiu que precisava ajudar o pai de alguma forma.
“O médico falou que ele não poderia mais trabalhar de pedreiro, precisava fazer um serviço mais leve. Até então, ser bicicleteiro era apenas um hobby. Falei para minha mãe que poderia ajudar montando a bicicletaria”.
João então foi até uma loja especializada no bairro Porto, em Cuiabá, e comprou as primeiras peças para o pai consertar bicicletas. Martiniano ainda foi responsável por rear o conhecimento que adquiriu sozinho para outros bicicleteiros do bairro Araés.
Ela conta que o irmão, hoje com 62 anos, costumava segurar uma lamparina para o pai fazer os reparos nas bicicletas quebradas.
“Meu pai tinha facilidade para consertar coisas, se alguém trouxesse um violão ou um guarda-chuva quebrado, ele arrumava. Ele sempre usou bicicleta e consertava a dele sozinho. Fez disso a profissão. Era um autodidata”.
Paixão pela bicicletaria 5j5k5x
Durante os anos em que trabalhou na bicicletaria com o pai, João aprendeu sobre as técnicas e macetes que envolvem o conserto das bicicletas. Dos sete filhos de Martiniano, ele sempre foi o mais interessado pela profissão.

Assim como o pai, sempre gostou de montar e desmontar coisas. Quando chegou o dia em que Martiniano disse que não ficaria mais no comando da bicicletaria, João assumiu o negócio, mesmo com a insegurança de não saber se seria tão bom quanto o pai.
“Um dia ele disse que ia parar, que se eu não me fosse ficar com a bicicletaria, ele ia fechar. Fiquei meio inseguro, porque ele era o profissional. Decidi que se eu conseguisse prestar o serviço com segurança, ficaria com a bicicletaria. De vez em quando chamava ele e ele me ensinava”.
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Mesmo depois de deixar o conserto das bicicletas, Martiniano continuou indo à bicicletaria para fazer companhia para João. Foi em uma das idas, logo após o filho voltar do almoço, que ele morreu no corredor do imóvel.
“Minha irmã estava cantando louvor lá nos fundos e ele falou que ia ver. Quando ele estava no meio do caminho, ela já viu que ele estava ando mal. Levamos para o hospital, mas ele faleceu”.
Em uma das paredes da bicicletaria, onde João guarda as ferramentas que usa para trabalhar, ele também deixa uma das lembranças mais importantes do pai. Um alicate desenterrado pelo pai no antigo Pronto Socorro de Cuiabá, quando ele tinha apenas 18 anos, e um martelo com a inicial do nome de Martiniano.
“Brinco com meus irmãos que se um deles pedir emprestado, vou ser pior que almoxarifado, tem que ter a data de saída e de retorno. Isso é a história, essa ferramenta deve ter mais de cem anos. Ele encontrou toda enferrujada, arrumou e usava no conserto das bicicletas”, conta João enquanto exibe o alicate.
Bicicletaria é sustento da família 6i1g1f
A principal renda da família de João vem da bicicletaria e do salão de beleza da esposa, onde as duas filhas trabalham. O bicicleteiro de conversa e sorriso fácil diz que sempre ouvia do pai que a simpatia seria primordial no trabalho na bicicletaria.
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Além da personalidade amigável, João se recusa a trabalhar de mau humor. Por isso, é com sorriso no rosto que ele lembra de todas as memórias que envolvem o serviço que faz na bicicletaria.
“O trabalho me faz feliz, mau humor não existe na minha vida. A realidade é que se eu tivesse nascido há 130 anos, seria escravo, não teria meus filhos, não iria ser casado com minha esposa, ter meu carro e minha casa. Sou privilegiado”.
João conta que muitas pessoas não entendem ele não ter modernizado a bicicletaria e ainda manter ela muito parecido com quando o pai estava vivo. Em uma das vezes, um conhecido ou pelo local e murmurou que o negócio ainda estava do “mesmo jeito”.
“Na hora, aquilo entristeceu meu coração, mas depois conversando com ele, vi que ele estava com muitos problemas pessoais. Deus confortou meu coração, porque o problema era com ele. Eu tenho minha família, restauro minhas bicicletas. Sou feliz assim, quando Deus quiser, ele vai me fazer parar”.
Com um sorriso no rosto, João afirma que contar a história da bicicletaria “J Bike” é também homenagear a história do pai, por isso se orgulha de lembrar sempre o nome de Martiniano para àqueles que tiverem tempo de ouvir.