Conheça a história do Sílvio, que nasceu e viveu 17 anos no Hospital Geral 2c4i19
Sílvio de Souza, hoje com 75 anos, recebeu amor e carinho por parte de enfermeiras e demais funcionários do local durante toda a vida a3v36
Nos primeiros 17 anos de vida, os corredores e cômodos do Hospital Geral, primeira maternidade de Cuiabá, foram as principais referências de lar para o aposentado Sílvio de Souza, hoje com 75. Como a mãe biológica não teve condições de criá-lo após o parto, ele cresceu rodeado pelas enfermeiras e médicos da unidade de saúde.

Durante o período em que morou no Hospital Geral, Sílvio chegou a ter o próprio quarto improvisado pelas enfermeiras. Foram anos convivendo com os profissionais de saúde e, inclusive, os filhos deles, já que todas as crianças costumavam brincar juntas em um campo improvisado no estacionamento da maternidade.
“Quando falava em ‘campinho da maternidade’ toda a gurizada já sabia. Nos fundos do estacionamento, tinha esse campo, vários médicos brincavam também. Eu ficava sempre de fora, cheguei para dona Ana Torres [a da época] e pedi minha própria bola para brincar”, conta, em meio a gargalhadas.
Pode parecer impossível imaginar uma situação parecida com a de Sílvio no momento atual, já que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) foi sancionado em 1990, mas, na época em que o aposentado nasceu, em 1947, o marco regulatório ainda não existia.
Por isso, quando a mãe biológica de Sílvio pediu ajuda dos médicos e das enfermeiras do Hospital Geral, por perceber que não teria condições de criar a criança que estava prestes a nascer, pareceu natural que a unidade de saúde se transformasse em casa para ele.
A mulher costumava acompanhar a vida de garimpeiro do pai biológico do aposentado, que tinha o sonho de encontrar uma pedra preciosa o suficiente para emancipá-lo das durezas de uma vida sem recursos financeiros.
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“Ele trouxe a família do Maranhão para Poxoréu, encontrou minha mãe pelo caminho. Ele foi para o garimpo do ‘Gatinho’, que hoje chama ‘Alto Paraguai’. Minha mãe não teve condições de me criar e pediu ajuda no Hospital Geral”.
Um homem de sorte 323m1z
Apesar ter encontrado algumas turbulências nos primeiros anos de vida, não demorou para que o Hospital Geral se transformasse em lar para Sílvio. Ana Torres, uma das as da unidade na época em que o aposentado nasceu, virou uma de suas principais referências afetivas.
“Ela era conhecida como ‘dona Ana da maternidade’, ela era de Santo Antônio do Leverger. Era uma mulher solteira que criou 27 crianças. Ela que me colocou para estudar, que dava os puxões de orelha”.
A infância no ambiente hospitalar que, em primeiro momento pode remeter à frieza, rendeu muitos momentos acolhedores, que hoje estão guardados na memória de Sílvio.
A convivência com os médicos e as enfermeiras fez com que, durante alguns anos, o aposentado que cursou ciências contábeis no Rio de Janeiro sonhasse em exercer a obstetrícia.

“Conhecia todos os taxistas da região, os médicos, as enfermeiras e os funcionários do Hospital Geral. Era fantástico. Me ensinaram a dizer que seria parteiro da maternidade. Mas, com 17 anos, tive que tomar uma atitude”.
Foi nesse momento que Sílvio deixou o quarto no Hospital Geral e o acolhimento das enfermeiras para tentar a sorte em outro estado. Uma mudança de gestão da unidade fez com que ele não se sentisse mais bem-vindo como “morador” do local.
Começava ali a aventura de Sílvio pelo Rio de Janeiro, onde morou por dez anos. Mesmo fora de terras cuiabanas, o carinho que os médicos e enfermeiras do Hospital Geral lhe deram ultraou as barreiras geográficas do momento.
“Fui recebido na casa do Dilson Ramos de Moraes, sobrinho da Adelaide de Almeida Orro [uma das enfermeiras da época]. Fiquei lá um ano, tinha um cheque que recebi de um trabalho e disse que o resto daria um jeito. Tinha uma amizade de criança com os sobrinhos da Adelaide”.

Quando voltou para Cuiabá, Sílvio casou pela primeira vez e teve três filhos. A mulher morreu mas, depois de um tempo, o aposentado conheceu sua segunda esposa, com quem vive até hoje em uma casa no bairro Porto, na Capital.
“Sou um cara de sorte demais. Trabalhei na Prefeitura de Cuiabá, na antiga Cemat [Centrais Elétricas Mato-grossenses] e na UFMT [Universidade Federal de Mato Grosso]. No Rio de Janeiro aprendi a gostar de samba, fui sócio do ‘Bola Preta’, da Portela. Fui privilegiado demais nessa vida”.
Marcas de amor 2s644l
Um dos principais aprendizados que Sílvio teve no Hospital Geral nada tem a ver com medicina. Os 17 anos vividos com as enfermeiras da unidade lhe ensinaram sobre amor. Para ele, essa é uma das marcas mais importantes que carrega.
“Marcas de amor, ternura e carinho. Acho que isso foi a minha base emocional. As enfermeiras foram mulheres que eram mães para mim. O bonito da mulher é o carinho, isso derruba, deixa sem reação”.
Amor foi algo que nunca falou para Sílvio enquanto viveu no Hospital Geral, principalmente o afeto que encontrou em Ana Torres. Apesar do aposentado lamentar nunca ter tido a oportunidade pronunciar as palavras “papai” e “mamãe” para chamar alguém, ele afirma ser grato pela rede de amor onde foi criado.
“Amor nunca faltou. As enfermeiras eram só carinho mesmo. E olha que eu era danado quando criança. Quando aprontava, me mandavam falar com a dona Ana, mas ela não deixava ninguém me bater”.
Ana Torres já estava aposentada do trabalho no Hospital Geral quando Sílvio voltou do Rio de Janeiro. Naquele momento, ele sentiu urgência de retribuir o amor que recebeu dela durante a vida. “Trouxe ela para morar na minha casa, ela morreu aqui”, conta enquanto aponta para a residência com os olhos marejados.
“Era minha obrigação, não tenho como pagar o que ela fez por mim. Não tem valor. Tudo que eu pudesse fazer, ainda seria pouco. A minha infância não foi difícil por causa da dona Ana, eu era um príncipe naquele hospital”.
Sílvio brinca que acha que nasceu com uma estrela por ter tido tanta sorte ao longo da vida, deixando para trás uma possível infância de abandono e sem o amor que recebeu no Hospital Geral.
“Tenho até medo de reencarnar de tão privilegiado que fui nessa vida, acho que até abusei. Ia para a fazenda dos médicos porque era muito amigo dos filhos. Ficava com o pessoal do Guaraná Zenith [marca de bebida da época], as enfermeiras gostavam de me levar para a casa delas e estudei em escolas boas”.
No entanto, quando Sílvio se depara com crianças que não tiveram os mesmo privilégios, não esconde que sente o coração apertar.
O aposentado nunca teve relações com os pais biológicos. Certa vez, se lembra de a mãe ter dado entrada no Hospital Geral para um novo parto, mas nunca tiveram contato durante todos esses anos.
“Muitas vezes vejo uma criança abandonada e vejo como fui privilegiado. Cheguei à conclusão de que é difícil aceitar as palavras que nunca consegui pronunciar: papai e mamãe. Mas, tive todo esse carinho. O maior poder desse mundo é o amor”.
Comentários (1) 1j10k
Uau, que história linda!